31.1.06

Amar é dar o que não se tem a quem não pediu.

29.1.06

Outra conversa séria com o caio.

- Então quer dizer que tu vais virar um eunuco agora?
- É, meu caro.
- Mas por quê?
- Porque o sexo é ruim. Pra mim, isto é. Me faz fazer coisas que depois fico me mordendo de ódio. O sexo me tira de mim mesmo.
- Sério? Vala me deus.
- Humrum. Tenho que parar de bater punheta, de puxar bronha - seja lá qual for o verbo - de baixar vídeos pornôs, de tudo relacionado a atos libidinosos. Nem mais piada indecente eu solto.
- Só pra mijar agora.
- Só pra mijar. É que sexo me faz mal, sabe. Qualquer atitude, qualquer decisão que eu tomo de pau duro dá errado. Vai ser na base da repressão mesmo. Me controlar, contar até dez.
- Deves pensar com a outra cabeça então.
- Humrum. Vou direcionar minha libido pra outro canto: vou ler, vou estudar, vou escrever, vou me preparar pro outro semestre mixuruca, vou amar mais.
- Epa!
- Que foi?
- E esse amor aí?
- Ah, meu caro, mas amar é transar são coisas diferentes. Vou me concentrar na minha amação pra parar de magoar e depois não ter palavras pra reparar quem eu amo.
- Me toooco. Porque a Orides Fontela falou que "toda palavra é crueldade."
- Justamente. E aquele professor de administração do MIT, o Jay W. Forrester disse que "em situações complicadas, esforços para melhorar as coisas entedem a piorá-las, freqüentemente a piorá-las muito, e ocasionalmente a torná-las uma calamidade."
- Putz. Podis crer então. Já é. Que Deus e o Bb estejam comigo.
- Ámem.

(E, sim, eu sei que deveria ter deixado um cheiro, ou te acordado e esperado mais tu, ou nem ter ido, ou qualquer outra coisa, e agora eu não posso me desculpar porque desculpa não ajeita nada. Eu, contudo, te ofereço atos, ações, cheiros, carinhos, amor e djows: é tudo que eu tenho. :*)

28.1.06

H(e)stória.

Essa história é daquelas que é de verdade, mas é de mentira. Pode escolher: verdade mentirosa ou mentira verdadeira.

Quando o asfalto parecia azul demais pela água que escorria, levantei a cabeça do livro, pois dizem que ler em movimento desloca as retinas. E eu acredito em dizeres curtos e simples. Levantei minhas retinas então. Levantei-as, mas a que preço, meu caro. Ergui meu olhar: meus olhos, sabe-se lá onde estavam, mas meu olhar encontrou algo que estupendo.

O banquinho devia passar, pelo menos, a metade do dia sob a luz causticante do sol. A água levava o lixo transeunte pelos riachos borbulhantes e cinzas da rua. Cinzas eram as águas: cinza era sua barba.

Era uma barba cinza e preta. E grande. Tocava o princípio do tronco. Caminhava ela para como na Grécia, quando a barba era sabedoria. Contudo, ali não. Ali não havia sabedoria coisíssima nenhuma: havia sim um sorvete de morango, uma colher prateada com cabo azul escuro e uma barba grande, preta e cinzenta.

E como aquela barba comia, meu caro, ah! Como comia! Comia, mas comia como em tempos remotos, quando comer era próximo da felicidade, não quando agora, que comer é martírio, é gordura, é algo que deve-se evitar. Deus.

Comia, engolia.

Sorvete não se mastiga, todo mundo sabe. Sorvete deixa-se engolir. Também sorvete não se bebe, embora certos indivíduos quebrem esta regra, mas ela não. Ele fazia tudo certo, certinho. Quase nem sujava a barba. Mais limpo do que o semicórrego fora de lugar. Quase um amor.

E quanta beleza em cada olhadela ao lado, de soslaio, de cabeça inteira. O pote cheio, os cabelos arrupiados, o rosto, que rosto? Escondido entre a barba, o sorvete e alguns poucos olhos, que, talvez fosse a água, seriam azuis se não fosse a tristeza do mundo, de torná-los negros como uma falta. Um branco ali não haveria, branco é conjunção, sincretismo: não: ali, havia, sobretudo, falta.

O pote, cheio. Os olhos, vazios.

Quem, então, comia a sobremesa? Quem saboreava? Eu? Meu olhar engolia o momento. Ainda me recuperava da levantada brusca de olhar – tanto tempo com a alma embotada – que onde estava pouco me importava. Procurava equilíbrio. Encontrei: meus cinco anos naquele mendigo vazio e o seu potinho de sorvete de morango da pardal.

23.1.06

Coisas

Em literatura, não há verdades definitivas
Moacyr Scliar

Não sei a citação de cor, mas foi o Foucault - "Fucô" - quem disse que a palavra é a morte da coisa. Não me lembro qual era a conexão entre os dois pensamentos, mas sei que havia uma.

Enfim, cu no pau há.

Há, lembrei. É que se a gente mata as coisas nomeando elas, quem tem coragem de ser coveiro para ficar exumando significados?

17.1.06

Máximas

Eles não são homens: são demônios.

Comadante mexicano contra os últimos três homens da Legião Francesa

O diabo não existe: por isso ele é tão forte.

Dito mineiro

15.1.06

Suor da Morte

Na família, ninguém queria o velho: jogavam pra irmã, num podia: sem dinheiro. O mais novo morava em república. Jogava pro mais velho: sem espaço. Apartamento um por andar. Que deus tenha piedade da alma de todos. O velho não reclamava, não que aceitasse ser tratado como peteca: tinha ódio no coração, mas perdera toda a força para falar já havia tantos anos. Todos se acostumaram com sua mudice. Nem perguntavam se seria sintoma.

Chegou, ficou: enfiaram no quarto da empregada, no meio das roupas sujas, de umas chinelas velhas: colocaram um colchão ali, uns lençóis, cobriram as roupas sujas com toalhas cinzas e velhas e deram o quarto para o velho. Deus do céu.

Na mesma hora, piorou. Ah, velho safado, sem vergonha! Justo agora, filho da puta! Não quero filho meu doente, que deus o livre, não! Pode entrar no carro!

Hospital, maca, pressão, luz nos olhos, dentro do nariz, coração, pulmões, exames, cheiro de remédio, luzes brancas, passos curtos, pesados. Silêncios pouquíssimos, tão poucos, nem se ouvia as árvores balançando lá fora: janelas fechadas. Nem se ouvia os bem-te-vis. Nem a luz do sol. Cortinas fechadas.

(...Ainda bem que a vida não é um teatro)

Dois dias de cama e a família indignada: cadê o dinheiro para manter o velho no hospital? Não tinha plano? Arriégua! Nem, deus me livre: tenho conta demais pra pagar!

O mais velho foi lá acertar com o doutor a conta. Médico nenhum: só a enfermeira, tirando a pressão.

- Como ele tá ?
- Tá bem...Tá bem.

Nenhum vento, nenhum pássaro.

- Ele tá suando tanto...Melhor da febre?
- Nada...Isso aqui é o suor da morte.

O filho não conseguiu falar, e, fazia tanto tempo, chorou na barriga do já, já falecido papai.

13.1.06

Chegam horas que a minha garganta fica ardendo de tanto cantarolar. Daí, bebo um copo com água. E cantarolo de novo.

Porque o meu silêncio é na entrelinha: ao redor de mim quero cantos.

12.1.06

Haloscan

Novo sistema de comentários instalado: Haloscan.
Tem que postar coisa nova para funcionar.
Agora quem não é cadastrado no blogger pode comentar também.

Essa mensagem se autodestruirá em cinco segundos...
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...um segundo...
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Ficou com medo, hein ?

9.1.06

Não, a vida não era bonita.
Clarice Lispector

Eu sou muito devagar para o mundo. Insisto em chamar de inocência; a maioria, lerdeza. Estou me convencendo.

3.1.06

Ghost Story

Se de repente eu desaparecer na metade de uma frase, não me surpreenderei demais; e no mínimo sairemos todos ganhando.
Julio Cortázar

O meu medo da morte é outro. Talvez fosse mais fácil fazendo análise, mas como não sou feito de dinheiro - sou de amor - elucubrações é o ponto limírofe que a minha mediocridade permite chegar.

Aliás, todos os fantasmas tem medo da morte: mas o nosso medo da morte é outro. É o medo do Quintana. Não é morrer, morrer não dói: o negócio é deixar de viver. E eu escrevo por causa disso, pra que possa viver pelas palavras, embora elas não sejam eu, nem nunca serão e é uma ilusão achar que viver por meio das palavras vai me servir de algo depois da morte. Quem me interessa o que acontece depois da miséria humana ?

Não morro de medo de ser esquecido: já senti isso, mas notei que, para tanto, seria preciso que um número razoável de pessoas se lembrasse de mim, mas eu sou aquele eterno "menino que é tão bonzim, né ?"

Tão bonzim é eufemismo dos piores pra fantasma existencial. Sou um ser de baixa densidade sêmica. Uma criatura sem essência significativa. Um dos pontos no sudário da humanidade. O que me resta além de ser uma mancha preta num mar de manchas pretas ? Tento me convecer de que a mediocridade e o esquecimento que nunca me foram dados são meus verdadeiros territórios, onde devo habitar, viver, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer. Mas tudo isso não passam de elucubrações do meu corpo.