23.12.06

Três temas, dois meus.

Verbalismo. Não me encontro nos atos. Sou pálida, estática, um espelho, um lago sem vento. Estou nas palavras, é lá que vivo, respiro, faço a minha parte.

Palavra. Não me vejo na carne; transparente, me confudo no reflexo da lua cheia. Meu sangue são versos inacabados: é nele que sinto, que me sinto real.

Solidão. Sou um lobo noturno, silencioso, deslocado. Sinto o cheiro de sangue, largo-me aos instintos, caço minha presa, arranco-lhe a pele do pescoço, vampirizo-lhe. Faço minha parte.

21.12.06

20.12.06

Dessa vez

O natal cai numa segunda-feira, quarto dia de capricórnio e a lua está nova.

17.12.06

We would sing and dance around
because we know we can't be found

8.12.06

Costumo dizer que ela me queixou com um cigarro. Esse negócio de cigarro existe pra testar os fracos.

20.11.06

A palavra silêncio é um paradoxo; silêncio não é silêncio, silêncio é outra coisa. Silêncio é ciência. Silêncio é silêncio, meu povo.

18.10.06

O que vai acontecer com as crianças desse mundo.

5.10.06

Uma bebida e um amor sem gelo, por favor.

3.10.06

O mais difícil é o dia-a-dia.

20.9.06

And yet, one must wander what kind of strength it takes to give up what you want more than anything -- to avoid becoming the thing you hate the most.

10.9.06

- Que vai ocorrer amanhã?
- Não me ocorre nada.

1.9.06

Enough is enough!

Caio.

ma.ri.nho adj. Relativo ao mar, ou que o habita ou dele provém; marítimo.

ri.bei.ro sm. Rio pequeno; córrego; regato, riacho.
África.

Ele disse que ia curar todo mundo. Ele disse que ia curar todos. Acreditem, e conseguirei, ele disse. Tenham fé, ele disse, tenham fé em mim, e conseguirei, ele disse. Ele disse que ia andar sobre as águas, ele disse. Ele disse que ia nos curar a todos, ele disse. Ele falou da visão que tivera, da cura que lhe fora dada de presente, como antes, ele disse. Ele disse, ele prometeu que ia andar sobre as águas salgadas da praia, ele prometeu. Ele me disse que ia voltar, ele disse. Ele me prometeu que ia voltar. Ele me olhou nos olhos, beijou minha testa e foi-se embora, sem cura, sem volta.

28.8.06

Seis horas da manhã e sete minutos.

Nevava fora da sala; as janelas haviam sido trancadas; as cortinas ainda estavam abertas; as paredes do quarto eram da cor de musgo; não havia luz no teto; não havia enfeites na mesa. Retangular e marrom, bastante prática. Algumas cadeiras igualmente simples; uma estante escassa de livros e um criado-mudo com um abajur desligado.

Começam a chegar homens bem vestidos, de ternos cinzas, negros e azuis. Cado um arruina o silêncio ao puxar a cadeira de modo observar todos os rostos. Ninguém nas pontas.

Todos se levantam, saúdam o último a chegar e principiam os arranjos para.

23.8.06

A história da minha vida

Uma boa história é tudo que eu quero. Uma história com começo surpreendente, instigante, alguém morrendo, suas últimas palavras, uma conversa interrompida na metade; um telefonema anônimo, uma carta anônima, um beijo anônimo, uma morte anônima, algo anônimo; um zero no preâmbulo, depois um dois no início: onde foi parar o um? Mistério...

O meio seria a descida da montanha russa: tudo é muito rápido e tem que reler aquela parte pra entender quem comeu quem e quem dispensou quem e da onde veio aquele telefonema e com que propósito.

Quero uma história fantástica, baseada em fatos reais.

Infelizmente, tenha somente um começo fraco, um nascimento; uma infância inócua, e uma adolescência sem altos nem baixos. Posso esperar por uma maturidade anódina e seca, sem grandes doenças, sem grandes conquistas. Finalmente, uma morte fraca e previsível. Nada de continuação depois: seria um fracasso de bilheteria.

E não se engane: eu sou o vilão. O fétido e verruguento vilão de nariz adunco.

14.8.06

O zênite da mediocridade, novamente.

10.8.06

But can we live without them? Memories are what our reason is based upon. If we can't face them, we deny reason itself! Although, why not? We aren't contractually tied down to rationality! There is no sanity cause!

8.8.06

Uma vantagem do dogma de que somos prisioneiros de nosso próprio discurso, incapazes de apresentar razoavelmente certas pretensões de verdade porque tais pretensões são meramente relativas à nossa própria linguagem, é que nos permite transitar pelas convicções de todas as outras pessoas sem nos onerarmos com a incomodidade de precisarmos adotar alguma convicção. Trata-se, na realidade, de uma posição invulnerável, e o fato de que também seja totalmente vazia é apenas o preço que se tem de pagar por isso.

6.8.06

Depois de muita deliberação...

...e debate acerca dos temas e propósitos apresentados, foi homologado que sei lá.

2.8.06

Noite. Nuvens se movem, abrigadas pelo escuridão da lua nova. Somente seus passos soam; como tanques se arrastando pachorrentamente cospem no rosto sereno do silêncio. Hoje, elas são os olhos da noite. E não fazem questão de esconder sua condição.

Um cachorro reclama do que não viu; alguém dorme coberto por jornais, nas escadarias da universidade. Os portões negros do prédio rosa fecham às seis horas da noite. O centro da cidade demora mais para calar-se. O vento abre caminho pelas frestas, procurando quebrar o muro da conivência; o vento quer nos mostrar o homem por debaixo dos jornais, quer que ouçamos os portões negros trancados, guardando o quê? O vento soa pelas frestas da cidade, mas ninguém o ouve. Somente as nuvens são testemunhas do calafrio de alguém.

...Um grito rouco.

1.8.06

Tinha que terminar isso. Não: tinha que terminar ela; Isso são coisas e nunca um coisa teve algum valor para ele quanto ela, nunca, e nunca é um conceito complicado, porque envolve ternura; sentia ternura por ela; era o meio pelo qual o tempo entrava na sua carne e ele via as horas passando, e corriam mais rápido que o seu pequeno caleidoscópio de imagens podia pintá-las; naquela velocidade, os passos se moviam lentamente, e ele estava a cento e vinto quilômetros por segundo, e tudo que imaginava era a solidão daquele abraço, a qualidade daquele abraço, o silêncio de que necessitava para chegar nessa velocidade horrível: o preço de terminá-la; os momentos seus-ela foram os mais importantes da sua carne, dos seus olhos, e tudo que há neste segundo de infinita claustrofobia é uma cegueira, uma neblina de memórias, tudo perdido e embaçado pela chuva que começou a cair ao término dela; tudo estava muito veloz naquela noite.

31.7.06

o zênite da mediocridade.

25.7.06

Credo em cruz

By the pricking of my thumbs,
something wicked this way comes.

***

Os dedões de meus pés estão formigando.
Algo de muito ruim está nos alcançando.

Quanto tempo falta?
Vida mais meia hora de claustrofobia.
Quanto tempo resta?
Dois agorafóbicos.

21.7.06

...eu deixei a minha pérola escapar pelo ralo

18.7.06

Queria algumas palavras invisíveis, uma sílaba que não dissesse nada, que não apontasse pra canto nenhum; que tocasse o lá do abandono ou o silêncio do inefável: era essa palavra que eu queria; que não me dissesse nada, não conversasse, não carregasse interpretações e dúvidas e incertezas e avisos, tudo o mais já é por demais impreciso, meu deus! Queria uma ela, uma vida que não fosse isso, queria carne, seios, pêlos, coxas, língua, queria uma vida ela. Uma vida isso, largada na brancura do abandono, solto na liberdade resignada não me serve. Não quero isso. Quero futuro, depois, amanhã, quem sabe, meu deus, daria tudo por um quem sabe, um pode ser, um vamos ver, um sei não acho que sim pode ser quem sabe;

Quero esse mundo bombardeado, quero parar de chorar, quero parar de sentir-me nos outros, quero a verdade que sei inominável, ou quero ao menos um paliativo, um coquetel de certezas com doses homeopáticas de tudo-bens e vamos-ver-o-que-o-futuro-aguardas. Não sei o que quero desse mundo, ou dela, ou de mim. Não sei se quero. Não sei. Não.

13.7.06

- Não há raiva.

Talvez queira convencer-me, falando tão alto assim. Não há raiva. Não há nada. Há, sim, um vazio que explode por puro clichê no peito. Um nada cansadinho e entorpecido pela brancura da vida, um nada desses no qual se tropeça pela rua; um nada de nadica de nada. Não, não, não há saudade: este vazio não é saudade. Há talvez uma ausência de esperança; uma desesperança tão gritante, tão glamourosa que faz querer gritar, destrinchar uma cadeira e despejar socos em postes de luz, para ver se volto a enegrecer, para ver se o mundo cega. Desesperançado e com certezas de grossura rochosa, absurdo como qualquer pessoa, tentando nadar sempre em frente: não fenecer como um tubarão que desiste de se alimentar. Não, não há raiva, e não sei onde estou-me, se num cruzamento, se numa ladeira. Não voltei, sei disso. Por ora, contento-me em entristecer o olhar, em patentear algumas rugas, em observar a latência do corpo, esperar que esquente outra vez. Esperar o eterno retorno de uma força vinda do silêncio para realizar as pequenas coisas: colocar a comida do gatinho, ligar a televisão, passar a página, reler o parágrafo, pequenos fazeres. Nada demais. Talvez ainda haja misteres.

10.7.06

Tendo a certeza que o amor existe, mas, como sentimento que é, é finito e muda de objeto, do amor peço que nunca venha a amar ou ser amado por mais de alguém. Duas pessoas já são beleza e dor mais que bastante. Me atrevendo um pouco, peço que nunca esqueça que o amor é bom, que eu sempre prefira amar a ser amado, lembrando que o amor não me vale a morte. Vale, sim, viver e continuar a amar mais um cadinho. A única morte de amor válida é a overdose. Mas isso, não peço. Antes, sei que me vou assim.
Ou não somos livres e o responsável pelo mal é Deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis, mas Deus não é todo poderoso.
Albert Camus

Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar.
Friedrich Nietzsche

Deus sem você é Deus. E você sem Deus é o quê?
Adesivo de carro

deus sm 1. Ser infinito, perfeito, criador do Universo. [Com inicial maiúscula] 2. Nas religiões politeístas, divindade masculina superior aos homens, e senhora dos destinos da vida.

4.7.06

Humor negro?

- Quando te verei de novo, querida?
- Depois do transplante de córnea.

É isso?

1.7.06

Agora só na África do Sul.

28.6.06

Um texto não meu.

Sentou, mas sentar é só porque não encontrei palavra melhor. Sentou ao meu lado, então. Agora você sabe onde ela está: do meu lado, sentada. Mas ela não existe, e é só uma palavrinha no meu sintagma incompleto. Pois então; está sentada ao meu lado, mas não olha pra mim. Mas isso quem decide sou eu. Ao próximo parágrafo.

No segundo parágrafo, sinto-me no dever de avisá-la que ela continuará sem olhar pra mim. Aliás, ela só vai levantar o queixo quando retomarmos o começo disso daqui. Mas isso fica pro último parágrafo, que tal? Não importa, já disse que quem decide sou eu.

Neste terceiro parágrafo se dará todo um jogo de conversas e sombras, do entredito ao não dito, quase como que subir um rio com pouco diesel sobressalente. Acho bom avisar que o primeiro "Deus" que ela disser é um vocativo, foi que faltou uma vírgula. Mas isso só conta se você entendeu até aqui. Acho melhor ir logo ao diálogo, por favor. Mas antes, pelo prazer de entender melhor as coisas, queira dar uma olhadela nessas definições:

Mo.nó.li.to sm 1.Pedra de grandes dimensões. 2.Monumento feito de um bloco só de pedra.

O.dis.séi.a sf 1.Viagem cheia de peripécias e aventuras. 2.Série de complicações ou ocorrências variadas e inesperadas.

Engraçado: uma feminina e o outro masculino. E também ajuda a entender quando se vê que, embaixo de "monólito", no dicionário, tem "monólogo.

Obs. necessária: não há datas, então procure "monoliticismo e odisséia."

22.6.06

traições.

Em uma noite de um início de julho, excessivamente quente, um rapaz saiu do quarto que ocupava na água-furtada de um grande prédio de cinco andares na travessa de S... e vagarosamente, com ar irresoluto, tomou o caminho da ponte de K...

Teve a boa sorte de não encontrar na escada a senhoria, que morava no andar inferior. A cozinha, cuja porta estava quase sempre aberta, dava para a escada. Toda vez que o rapaz saía, era obrigado a passar por ali, o que fazia experimentar uma forte sensação de covardia, que o humilhava e o fazia franzir o sobrolho. Devia uma soma importante à senhoria e receava encontrá-la.¹

***

Nos começos de julho, por um tempo extremamente quente, saía um rapaz de um cubículo alugado, na travessa de S..., e, caminhando devagar, dirigia-se à ponte de K...

Discretamente, evitou encontrar-se com a dona da casa na escada. O túgurio em que vivia ficava precisamente debaixo do telhado de uma alta casa de cinco andares e parecia mais um armário do que um quarto. A mulher que lho alugara, com refeição completa, vivia no andar logo abaixo, e, por isso, quando o rapaz saía tinha de passar fatalmente diante da porta da cozinha, quase sempre aberta de par em par sobre o patamar. E todas as vezes que procedia assim sentia uma mórbida impressão de covardia, que o envergonhava e fazia franzir o sobrolho. Estava zangado com a dona da casa e tinha medo de encontrá-la.
²

1. Tradução de Ivan Petrovitch e Irina Wisnik Ribeiro.
2. Tradução de Natália Nunes.

Dois primeiros parágrafos de Crime e Castigo. Batidos me esforçando para não olhar pro teclado.

19.6.06

- Tu num sabe de nada não. Só tem 19 anos.
- Se fosse por isso, num tinha véi burro.

9.6.06

Diálogo construtivo.

- Pra quantos dá essa pizza?
- Dá pra todo mundo, mulher!
- Todo mundo é pouca gente.

8.6.06

Qual é o seu dasein?

7.6.06

Sou um autêntico escorpianino.

1.6.06

Disso resultou aquele homem que nunca procurou fazer as coisas que sonhava. E passou a viver na terrível angústia do: "e se tivesse tentado?" Tentar e fracassar não é problema. O suicídio, o veneno lento, é a dúvida: teria dado certo?

Ouviram?

30.5.06

Não gosto de nada por inteiro.

às vezes, eu tenho momentos de não saber o que eu quero da vida. sem tê. nem porquê.

E eu roubei um gatinho da rua. Ziggy.

21.5.06

A noite das vinte e três horas é mais escura que a das vinte e duas.

17.5.06

Ninguém se importa com as minhas intenções. Ninguém quer saber o que eu quero da vida. E o meu discurso muda a cada minuto, preocupado com os outros que não estão preocupados comigo. Fazer o quê, sou assado, os outros são assim.

Não sobreviveria sendo assim, vivo sendo assado, e me estrepando quase masoquisticamente.

Por quê? Quem se importa com coisas importantes? Todo mundo - e quando eu digo todo mundo, eu não quero dizer todo mundo - só quer saber dos problemas que o olho pode ver - e problema é uma definição subjetiva e completamente guiada por uma moral construída e aceita.

Aí, quando eu tento ajudar, abusam da boa vontade, e derrubam os problemas em cima da minha caçambinha míuda - afinal, não tenho problemas, e se tenho, não são tão gigantescos e não merecem a mesma primazia e a mesma gravidade que estes daqui. Passei a minha vida inteira sem poder fazer o que eu queria, sem poder falar direito com a minha mãe.

- Ave maria, menino, pára! Tu tá parecendo o teu pai!
- Affe, caio, tá ficando igual teu pai!
- Isso aí é coisa do teu pai! Olha a besteira!

E eu? Será, porra, que eu, nenhuma vez na vida, posso ser parecido comigo mesmo? Será que eu vou sempre ter que viver em função do meu pai, ou do Leonel, ou de qualquer outro que chegou primeiro e arruinou tudo? Por que quando eu tento ajeitar as coisas, todo mundo reclama? Por que quando eu falo o que eu penso, ninguém aguenta e joga o meu discurso no boca de quem não presta? Eu não sou uma pessoa legal? Cadê eu?

14.5.06

I

Mas o que é que eu sei de puta pra contar uma estória inteira sobre uma? Nem sei mais se a Rita continua dando, se o Roberto é vivo, viúvo, se parou de beber, se foi preso, denunciado. Sei lá. Eu entendo de Beatles, de nomes de autores, dessas coisas sem importância, que não servem pra mudar o mundo.

Saiu correndo: que nada na sala era dela.

É como xadrez, olhares tornam-se peões; os reis são o seu orgulho; as rainhas são as músicas e o os mitos que guiam. E nossos atalhos:

- Atalho é falácia.

Mas não vou discutir a existência de atalhos. Aqui não. Aqui, ela fugiu.

Deixou a porta quase aberta, e atravessou o corredor verde amarronzado. Não cito a luz vermelha por medo de cegá-lo ou pra ficar mais difícil de misturar o verde com o marrom e depois com o vermelho. Pode imaginar só com o verde amarronzado, ou verde-marrom, como era de primeiro. Eu não me importo. Me importo com o fato dela ter saído correndo, feito louca.

Ela saiu, e eu pude ver a lâmpada redonda quase caindo do teto. Ela continua a ir mais longe daqui, mas ainda quero falar da luz:

Era bem solta. Piscava. Inter. Mitente. Mente. Todo dia, toda hora, toda entrega, toda saída, toda porta semicerrada. Todo mundo tinha medo de chegar de madrugada para aquela luz piscando e cegando e piscando junto com o olho da gente como se lâmpada também lacrimejasse. A esclerosada do andar de cima jurou que, uma madrugada dessas, viu uma gota avermelhada no chão do corredor.

Da mulher: ela, que agora já está bem longe do corredor e da porta entreaberta; que está entrando no carro com alarme eletrônico e constatando que não havia gasolina pra chegar em casa.

Não vou contar o motivo de tanta correria: esta estória de mentira não se faz de porquês. Os porquês estão atrasados e o pensamento não pára pra eu ficar catalogando tudo que já aconteceu. Se for fazer flashback, quando chegar na parte boa, tudo já terá acabado e os dois que estavam na sala com a porta que agora já fechei, já terão se ido fazer sexo-pra-fazer-as-pazes.

8.5.06

Comentário.

Paz. [Do latim pace] S. f. 1.Ausência de lutas, violências ou perturbações sociais; tranqüilidade pública; concórdia, harmonia. 2.Ausência de conflitos entre pessoas; bom entendimento; entendimento, harmonia. 3.Ausência de conflitos íntimos; tranqüilidade de alma; sossego. 4.Situação de um país que não está em guerra com outro. 5.Restabelecimento de relações amigáveis entre países beligerantes; cessação de hostilidades. 6.Tratado de paz. 7.Ausência de agitação ou ruído; repouso, silêncio, sossego.

Não simpatizo com a idéia de me forçarem tudo isso aí em cima goela abaixo. Não que seja algo ruim, mas não sejamos fanáticos. Deve haver melhores meios de se chegar – se é que há um caminho - lá – se é que é um lugar - do que por alguma ditadura com poderes hipertrofiados.

Não é à toa que paz é feminino. Como a verdade, ou a beleza.

5.5.06

Impressionismo.

Quando tiver vinte e dois anos, vou me lembrar do sal fazendo espumas no mar, da cor da minha grinalda.

Estávamos de pé, na varanda da casa. Final de tarde. O céu arroxeado, que eu sempre acreditei ser uma cor alegre. E minha mãe não segurava minha mão, como era costume; sem conselhos ou sermões, nem das coisas que deviam ser feitas. Não mais. Duas mulheres de pé numa varanda, frente para a praia, tentando enxergar as ondas entre as espumas brancas. O céu roxo.

Foram chamar. Era hora, mas nunca a que eu queria.

- Vamos, filha.
- Vamos sim.

Ela foi logo, mas eu tinha que ficar um pouco mais ali, observando o que o mar e o mundo me davam, que talvez eu nunca ganhasse de mais ninguém. Nem mesmo do meu noivo. E nunca ganhei realmente. Nem haverei de ganhar, sem a menor dose de pessimismo. Pensava essas coisas, porque ainda não havia, com vinte e dois anos, descoberto o péssimo do mundo. Desconhecendo-o, fui-me pelo corredor de paredes rosadas.

2.5.06

Três pessoas que eu nunca vi comentaram nesse post aí embaixo. Das duas mulheres, o blog delas nenhum abriu.

Por algum motivo, não posso escapar da minha cabeça que sejam bots que disparam de quando em vez para nos elogiar e dar paliativos de estima.

Hum.

29.4.06

Toda guerra deveria ser latente.

24.4.06

Essas coisas são tão engraçadas.

Hoje, indo pro mundo, vi, do banco de trás, um Fox preto na frente do nosso carro. Com um adesivo inclinado, bem assim, sem colocar, nem botar:

Manu & Caio
Sentei e comecei a apertar as teclas, mas o meu trabalho vai bem mais além disso. E uma parte dele vem depois. Mas só o barulho das teclas já ajuda, acho que o cérebro se engana, e chama todo mundo pra olhar. No meio dessa gente, eu me encontro, observando o gatinho morto no meio da rua, aquelas cenas que a gente vê e não consegue desviar o olhar.

Gostaria de ficar cego pras minhas palavras; observar o vôo delas, bem longe daqui, no barbante do horizonte, depois do mar, antes do sol, que é pra não se queimarem - palavra não tem protetor solar. Elas queimam, e só quem lê sabe como queima. Quem bota no papel é só um botador, um colocador de coisas nos lugares certos: eu gosto mesmo é de ler.

Mas sou injusto conosco. Nós temos um pouquinho de trabalho - ou labor, ou ação, que o valha - temos que sentar, olhar o caderninho de anotações, procurar o sentimento pra emendar nas palavras, desembestar, parar, tomar um copo d'água - alguns tomam Coca-cola com creme craquérs - olhar, ver a merda que saiu, tentar encontrar algum valor e sair futricando até conseguir ficar só com uma carta na mão.

Escrever é jogar mexe-mexe. Mas isso sou eu.

E queimam porque acendem o fósforo de dentro da gente.

Créditos.

Da filosofia da Burrice: Felipe Assolan.

Teste.

Para ver se voltaste a funcionar.

20.4.06

Arruína-se a festa que se desenrola sem que o anfitrião reitere várias vezes aos presentes como eles são bem-vindos.

19.4.06

Filosofia da Burrice: um adendo.

Uma Burrice soberba: encimesmada pra fora, de modo a captar as obviedades mais pululantes que se hão de achar em toda a realidade, a despeito de todo tipo de absurdez intelectiva que se nos possa aparecer.

Um pós-cartesianismo, para colocar o prefixo da moda. Uma filosofia das certezas, dotada de dúvida saudável e consciente de seu próprio nariz de palhaço. Além do espírito de gravidade. Esta burrice encontra-se embasada no si-mesmo de nós-todos.

Como direi? Disse-me, e ouvi:

Uma Burrice pragmática, pois não, que renuncia, sempre que o é devido, à infinita capacidade de abstração intelectual humana com o intuito de, mui humildemente, prognosticar as coisas com o que há de mais réles no pensar.

Burrice, além de tudo.

16.4.06

O fim está bem longe daqui,
porque todas as coisas
já terminaram.

o término eu consigo enxergar:
ele chega bufando, batendo o pé,
gritando que acabou.

O fim é um silvo da floresta noturna,
é um sopro na lagoa parada,
é uma jangada em alto-mar.

...mulher...

As coisas acabam
depois que enxergo no horizonte
um sorriso de criança
e um suco de maracujá gelado.

15.4.06

Poesia kamikaze e arregaçada.

Chega dessa frescuragem toda.
Chega de tanta babaquice.
Eu quero é que o mundo se exploda
Numa implosão de sem-vergonhice.

14.4.06

Na minha nuca tem um peso que tá entupindo meu caninho de idéias. Só consigo me lembrar do que li o Tchekhov dizendo: você tem que escrever mesmo se não estiver com vontade. Não foi exatamente isso, mas eu nunca transcrevo nada do jeito que tava antes, então.

Já parou para pensar que talvez a vontade de escrever e a inspiração não sejam tão amiguinhas quanto a gente pense? Quantos textos devem ter sido escritos como se o escritor estivesse empurrando um carrinho de mão cheio de areia vermelha? E chegasse lá, ainda tivesse que remexer na areia, misturar com água, fazer um buraco - não nessa ordem - pra só depois levantar o muro. Já pensou num negócio desses?

Vou terminar de ler o Teoria do Conto.

10.4.06

Jesus. Não existe, nesse blog, um texto que seja apresentável. Meu deus, deve ter mais de 220 post por aqui, e tudo que eu consegui encontrar foram 8 que nem tenho certeza.

o.o

9.4.06

Quero ver como a Clarice.

Não quero amigos de almas pequenas.
Quero almas tão grandes
que não caibam nelas nem toda a estória
da história.

Quero um pouco do mar Egeu
nas minhas lágrimas européias.
Eu quero um pouco da Amazônia
no meu sovaco fedorento.

Eu quero pensar na minha terrinha
como um lugarzinho bom de viver e fazer poesia.
Mas quem escolhe não sou eu:
são elas, que fazem isso daqui.

Tenho que me cegar,
e me privar de toda sanidade,
de todo bom senso,
de toda razão,
de toda lucidez
e,
então,
deste modo,
com todas as forças,
finalmente,

Poderei ser quem eu quero ser.
Nem que seja só por uma
verdade inventada.

7.4.06

Tô escrevendo grande demais.
Eu me sinto como aqueles caras com os chapéis engraçados e as cornetas douradas e os sapatos enrolados. Sou aqueles arautos da corte que anunciam quem vem entrando na sala, enquanto a pessoa nem espera eu terminar. Não sou aquele que chega, e as minhas palavras devem começar e terminar com música solene e simples, mas pomposa, caso a ocasião requeira.

A minha roupa é verde com vinho. Não tenho queixo, o nariz é empinado e os olhos fechados. Anuncio, a criatura entro e ou fico - de olhos fechados - parado, ou me retiro e espero alguém mais chegar. Um anunciador, de calças apertadas e olhar lunático, quase de bobo, mas o bobo é outra coisa, que eu já explico.

Vou explicar o bobo, mas primeiro vou dizer porque não me considero um: é que bobo é chamado pelo Rei quando não tem mais nada pra fazer; quando o Rei reina, mas quem governa é o imperioso tédio. O Bobo diverte e subverte, que a loucura dá à ironia uma máscara de sorriso de criança, e toda criança é louca: louco pode tudo. Lacan dizia ter cinco anos. Abirobado.

Pois bem, acabei dizendo o que era o bobo antes de me justificar. Faço-o agora: não sou bobo - bobos também são anunciados. Eu sou aquele que deposita a presença e sai de fininho. Eu sou aquele que a qualquer momento pode ser esquecido numa viagem à outro castelo estrangeiro. Quando a Corte precisa cortar gastos, adivinha quem vai primeiro? Vós sois as palavras, passíveis de anunciação; eu, os outros. E os outros são vazios e tão pequenos que.

5.4.06

Pergunta cavalar.

Quando foi que eu perdi as minhas histórias e fiquei só, com os aforismos inúteis?

Eu quero uma história. Alô? Tem alguma história aí? Só de pepperoni. Calabresa? Não, calabresa tem não; tem pepperoni. Que que tem na de pepperoni?

Um bocado de silêncios e vazios e personagens desagregadas, que herdaram uma tradição ensaística dantesca e que não preza pelo sentido. Nem sei praquê o dantesca.

3.4.06

O Biquíni Rosa.

Entre o mercadinho Cristovão e o Bar e Restaurante O Armando, encontrei amassado, negro, enlameado, perdido na rua um biquíni rosinha com as bordas brancas. E aquele biquíni, talvez, pertencesse a uma menina lá da periferia - a mãe deu de presente de aniversário, num domingo, dia de praia. Mas, não se sabe como, talvez ela tenha perdido nessa viagens de família pra Praia do Futuro, onde as sacolas sempre voltam ou mais cheias ou mais vazias.

Aquela pecinha foi de uma jovem, que agora já é adulta, e que não tinha mais utilidade pro biquíni. Dentro do ônibus, com uma sacola velha, indo pra casa do terceiro namorado, encontrei, já perdido, o biquininho no meio do batom vermelho, do perfume, da calcinha, do sutiã. Não se lembrava a quem pertencia. De ninguém. Fora. Pra rua, é encontrado pelo escritor, aprisionado nas palavrinhas rosadas com bordas brancas.

Mentira tudo isso: o biquíni era é de um menino. Menino homem, macho, viril, que com doze anos já havia perdido o cabaço, como diz um amigo meu eu não vejo faz um tempo. Perdido o cabaço, ele saiu correndo da casa da menina, tropeçou na vestimenta, ouviu o ranger da porta, correu, saltou pela janela saiu correndo, enquanto sua companheira de putaria ajeitava, pra ficar tudo direito.

Depois, o menino bateu uma punheta pensando na já experimentada situação, que tantos morrem sem nem saber o que é, gozou, jogou fora a última lembrancinha inoportuna daquele evento memorável.

Cinco dias depois, a mãe descobriu, a menina ficou grávida e o pai matou o moleque de peia.

31.3.06

Tentativa de mini-peça.

Três monólogos

(Entra um homem.)


Homem: Sou um marinheiro! E não navego pelo mar! Não fiquem assustados, meus caros: é de praxe nessas peças modernas - esta mesma, uma delas - estar permeada de paradoxos. Não navego pelo mar: nem pela vida: há muito perdi esta ao cruzar a esquina, ao atravessar a rua, ao bater a primeira tecla no teclado. Perdi minha vida para a vida: o mundo me fagocitou, eu, que nem corpo estranho era. Isso só prova minha teoria de que o mundo é um corpo que tem ódio de tudo e mais um pouco.

(Sai. Entra um marinheiro.)

Marinheiro: Não sou um marinheiro! Sou um poeta! Estou aqui, num teatro escuro, sem poder enxergar meus conterrâneos, sem poder realizar meu sonho. De querer ser quem eu realmente nunca fui, nem poderei nunca ser. Quero ser um marinheiro, como vocês, que navegam, como, como a criança que navega. Viver sempre me pareceu mais necessário do que velejar, por razão tão clara, estou aqui, prostrado, à frente de tantos olhares quanto possível; esmiuçado pela íris de um autor sádico. Não sou marinheiro, sou um covarde que necessita viver.

(Sai. Entra o autor da peça.)

Autor da peça: Boa-noite, meus caros poucos e parcos. Que bom vê-los e não vê-los. Que bom enxergá-los como a mosca, com meus mil olhos oniscientes. Vejo o medo, e os medos, de todos os olhares, vejo o casal que utiliza a verdadeira aptidão da escuridão, vejo o senhora antiga, esquecida pela família, vejo as paredes do teatro, vejo o intelectual criticando o que não entende, vejo a criança coçando a cabeça. E volto para mim, com o intento de lhes dizer o que é preciso. Todos deveríamos, meus caros, coçar a cabeça como a criança que vejo: coçar a cabeça é, antes de tudo, navegar.

Fim.

29.3.06

O Caroço da Lagartixa.

Eu quero o caroço da vida, pequenininho, menor do que um limão, menor do que o limão, menorzíssimo do que a própria fruta, verde, verda. O caroço não: o caroço é quase incolor querendo transparente, pra escapar da gente. Mas caroço que é caroço não escapa; caroço que é caroço não é inatingível, não está em cima de um Monte Sinai. Caroço que é caroço dá para pegar. Mas sabe como é carocinho, né? Tira do gomo da laranja, do limão e eles são muito, muito lisos, e tão pequenininhos que fica difícil de segurar; e caem, caem todos juntinhos e separados no cantinho escuro, entre o fogão e pia, debaixo da mesa, do lado de fora da janela, e olha aí, rapaz: está chovendo.

Eu pensava que para eu escrever tinha que trabalhar, e sentar, e pensar, e pesquisar e ir atrás das palavras. Mas comigo não dá e eu sei porque eu tentei. O que eu tento agora é outra coisa parecida, mas dessa vez as palavras me escolhem e eu não faço censura, a não ser aqui e acolá, quando der e vier. E o viés que esses meus textos tomam, esses meus textos noturnos com pontos finais em lugar de frases subordinadas, essas minhas sílabas que querem, quando pouco e muito e ruim, ser um Água Viva da vida, ficar atrás do pensamento, onde tudo é azul, onde tudo é mar e só olhar pra cima e ver o céu brilhando no horizonte aquático do universo, onde tudo o mais é por demais impreciso.

Olho, presto atenção em meus dedos, e percebo que nunca escrevi tão rápido, tão perto do caroço das coisas como quando de agora, dos meus anulares martelarem as teclinhas deste computador que já perdeu tantas musiquinhas em sua vidinha que me deixa muito, muito triste. Mas não estou me falando pra falar do meu computador; estou falando de mim para ver se eu encontro algo além de uma dor nas costas, algumas angústias insolúveis em água, e um pouco de mar que, eu sei, todo cearense tem.

Todo mundo tem água dentro de si; talvez por isso o Água Viva tenha me acordado tantas vermelhas, tantas palavras, tanta coisa que eu não sei o que é e não procuro saber porque é tarde demais quando se está amando as palavras; e é falta de educação - crianças, aprendam isso - sair da cama no meio do sexo. e também é importante que o outro parceiro sinta prazer na hora. E pode ser em qualquer lugar, e também pode utilizar o Halls preto: tudo pelo prazer e pelo regojizo, porque o meu tempo, como o da Clarice, é o agora. O negócio é que eu sou bem mais medroso e deixo meus esqueletos me persuadirem a ficar observando a perscrutação que realizo de minhas fantasias antigas, de meus pecados originais, de minhas gafes anedóticas, de tudo que já aconteceu, que é causa do que é hoje e que não importa mais porque está no passado e passado é aqui dentro, fora de mim, tentando entrar pela porta trancada que eu acabei de fechar com a chave e passar o ferrolhinho.

Talvez algum dia eu escreva um romance. É o meu desejo de agora. E tem uma lagartixa em cima da minha cômoda: nunca estive mais próximo da natureza.

26.3.06

Apanhado semi-mexido e retirado do orkut de depoimentos sobre o que alguém que se odeia vê quando olha no espelho.

Vejo algo sem utilidade,
desnecessária,
desperdício: poderia ter saído alguém mais útil do que eu.
Somos todos inúteis?

Me olho
E não vejo nada.

Vejo uma pessoa fraca e sem motivação,
vejo alguém que não é para esta existência
e por isso vive a procura de outras.
Vejo um caso perdido,
uma sombra das pessoas, algo que não era pra existir.
Vejo um ser imprestável,
um ser imprestável.

Não me enxergo no espelho.
Claro que se vê: só vampiros não têm reflexo.

Acho que fantasmas também não.

Vejo um zero à esquerda que nem deveria existir.
Vejo um nada.

Um patético apenas,
sem graça.

Vejo uma pessoa fadada ao fracasso.

Me olham, já me disseram,
um ser patético enxergam.

Eu
vejo
um ser inútil, sem nada para acrescentar para ninguém,
uma completa idiota,
burra,
etc.

Uma pessoa
completamente na solidão.

25.3.06

Como se, pelo meio do caminho, eu tivesse perdido o fio da meada. A minha meadinha era vermelhinha, azul, amarela, daí eu deixei cair e ficou tudo preto, e o chão era preto também. Não consegui mais achar. Foi nessa hora que eu perdi o fiozinho. E pra achar de novo tenha zé.

23.3.06

- Me estressei!
- Mantenha a compostura, menino!

22.3.06

Um post muito paia

Não sei se é de propósito, mas todo livro que eu leio, eu tento tirar alguma frase com uma lição de moral.

Foi assim com o Macbeth - essa citação aí embaixo - no outro post - é do one and only Chico Pires.
Foi assim com o Machado, na cadeira de conto.
Foi assim com a Sra. Lispector, também na cadeira de conto.
Lendo a Moreninha também.
Ouvindo Beatles.
Escutando meu antiquíssimo álbum William Shakespeare's Hamlet.
Lendo Rubem Alves. Principalmente lendo Rubem Alves.

É bem possível que toda a minha ética e toda a minha moral tenham vindo das croniquinhas do Sr. Alves. Dele, o do Maria Rilke, com as carténhas. Meus respaldos morais: quando alguém pergunta, mas porque tu acha isso? Porque eles disseram! replico.

Ah, e o Zaratustra também, muita, muita coisa do Zaratustra. E do Caeiro.

Sim, mas tá bom; esse post tá muito pretensioso, chei de nome de gente; nada meu, nada novo, sem literatura, arriégua. Diabo é isso?
A dor que não fala termina por sussurrar a um coração sobrecarregado, pedindo-lhe a explosão.

20.3.06

O caio que eu quero pra mim.

Eu queria uma poesia de terra,
com mar,
com carnaúba,
com céu de estrelas
e essa frescuragem toda.

Mas eu sou é outra coisa:
sou um caio de cidade,
um caio classe-média, um caio de Beatles,
que não sabe pra onde tá indo
nem o que quer.

E esse caio aqui,
que tá escrito em tantos versos
- poeta longo é um problema -
não consegue entender como é.

Esse caio de vocês,
não é o meu caio, meu povo.

O caio que eu quero é um caio de Fortaleza,
um caio verde,
menor do que um limão,
maior do que lagoa do Pici,
de onde escapou uma cobra que veio parar no portão daqui de casa, mas isso faz é tempo.

O caio que eu quero
tá lá longe,
na terceira margem,
onde eu não consigo pegar.

O caio que eu quero
é pequenininho assim,
que nem unha roída.

16.3.06

Decifra-me ou devoro-te!

12:00

Carro da auto-escola. Terceira tentativa deste de tirar a famigerada prova de que é bitolado o suficiente pra não pagar mais auto-escola. Primeiro carro a chegar no DETRAN, almoço gorduroso, com biscoito de chocolate sobre um toldo multicolorido e uma tia gente fina que me desejou boa-sorte.

13 e pouco

O instrutor fez o que tinha que fazer para testar o carro: freio, pra frente, pra trás, luzes, tudo bom com o esfregador de carvão nas nossas caras. Entramos no Local. Do lado de fora, é engraçado, ele parece um lugar bem menos assustador. Que bom, acho que dessa vez vou passar. Ah, a mente jovem! Ah, a esperança!

13 e 0,5 segundos depois de entrarmos

O outro aluno que viera comigo fizera o percurso, tirara a carteira, pegara a ressalva e chispou pra viver a vida dele. Quanto a mim, restou ficar esperando enquanto o outro candidato a doido da minha auto-escola não chegava.

Final das 13 horas

Chega a criatura. Espera mil anos, faz o teste antes de eu. Bufu, bomba. Só vejo ele andando para a luz, como se andasse para o portão azul escuro e carcomido pela ferrugem do DETRAN.

14:47

Depois de permancer a última uma hora e quarenta e sete minutos em posição fetal, com a bunda sendo horizontalizada pelo banco de pedra, vendo pessoas mortas de alegres por terem passado na primeira tentativa - fodam-se - dando pitacos nos que ainda lutavam contra a embreagem e o freio, a loira de dentro da cabine chama meu nome, pede minha identidade e me manda sentar na cadeira. Saio da cabine, sento, espero, endoido, falo com o sujeito do meu lado, ele tenta pela segunda vez. Me desespero. Peço a Deus por uma juíza mulher, peço que não me mande o bigodudo que fora meu julgador da primeira vez. Ele me manda um homem careca dos olhos verdes e rosto cansado. Brigado, Senhor.

14:50

Banco, espelhos, cinto, ponto morto, recobro a consciência, saio com o carro. Sinalizo. Beleza: garagem de frente, no começo! Obrigado, Senhor! Lembrei da sinaleira! Valeu, Senhor! O examinador é gentil! Brigado, Senhor!

14:51

Poste, freio, inércia filha de uma cadela sarnenta, BUFU!

.
.
.

O resto do dia


Me assoitando por ser estúpido o suficiente para não aproveitar a chancérrima que o cara me deu de evitar fazer a pior manobra já inventada pelo DETRAN logo no começo do exame.

15.3.06

O DETRAN é o Vale Da Sombra da Morte

Amanhã eu vou contar minhas presepadas pelo DETRAN. Dá até pra virar sitcom de tanta putaria já:

Caio: Embreagem, Freio.

E no comercial da Sessão da Tarde:

Venha acompanhar as aventuras iradas dessa galerinha da pesada que vão se meter em enrascadas do barulho!

14.3.06

Bang-bang.

Coisa boa não é tarefa do destino.

Ben Silver

13.3.06

Acabou de me ocorrer

Que se eu conseguir o emprego lá na Editora do Evolutivo, vou ficar revisando coisas a tarde inteira: das 11 às 17. E ainda não tirei minha carteira. E se não conseguir passar no famigerado exame quinta agora? Como ficará minha situação automobilística? Devo desistir da empreitada no mundo revisional? O que fazer?

12.3.06

Minha vida é de tentar olhar pelos meus olhos o que os outros olham pelos olhos deles.

8.3.06

7.3.06

A gente, assim.

A gente é quem a gente é.
A gente tem que ser quem a gente é.
A vida da gente é de tentar ser quem a gente é.
Então a gente não é quem a gente é.
A gente é quem a gente quer ser.
Mas a gente quer ser quem a gente é.

E de repente minhas personagens ganharam nomes e empregos. Bé isso?

6.3.06

Eu deveria dizer algo sobre o Oscar?

Assisti dois filmes dos que concorreram. O Jon Stewart foi engraçado. O Dustin Hoffman foi muito legal com o pessoal lá da frente. O Jack Nicholson foi o Jack Nicholson. Tudo vai bem em Hollywood. Agora é retornar ao passado e alugar "E o Vento Levou", "Casablanca" e qualquer um outro que queira ser assistido.

2.3.06

Ela tinha os olhos diferentes. Porque, sabe, hoje em dia, aqui em Fortaleza, todo mundo tem o olho igual, pretão, redondo, chato demais, sabe? Mas ela, ah, ela tinha os olhos diferentes. Os olhos e o olhar. Que o olhar, você sabe, é todo o rosto mais os olhos. Que os olhos são outra coisa, são penetras na face da gente, aposto como você não sabia, mas agora que eu te disse, você pode contar pras suas amiguinhas. E contar que eu finalmente encontrei alguém aqui com um olhar diferente, um olhar lá longe, além de si mesmo, um olhar a mais, um olhar pra dentro, dois olhos pra cima. Qualquer coisa pouco maior que o mar aqueles olhos diferentes procuram. Foi isso que eu encontrei: alguma coisa pouco maior que o mar. Pode dizer pra elas e pra mamãe. E também avisa que eu tô bem e que arranjei um emprego na Telemar.

Abraço,

1.3.06

Conversinha.

E ele chegou reclamando: não, mas que não pode, que não sei o quê e tudo o mais. E o outro perguntou, derradeiro e aforistíco:

- E o que é ser namorado?
- Ser namorado é cuidar dela, é lembrar o horário do remédio, é dar cheiro na bochecha, é pentear o cabelo, é mandar ela tomar banho, é pegar bolo, é assistir filme, é sair junto, é beijar lascivamente, é ter piadas internas que ninguém entende de tão esdrúxulas, é falar dexe xeito axim. E mais um bocado de coisas. É ter um estacionamento privativo no colo de cada um.

- Não, não. - disse ele: É um amigo a toda hora. É um beijo a toda hora para confortar. É esquecer os problemas

Ao que o amigo perguntou, do fundo da sua ignorância, sabendo que o outro havia avistado algo que ele não havia:

- ...Porque esquecer os problemas?

E o outro falou com a verdade mais verdadeira que já existiu na face da terra inteirinha:

- Para as pessoas terem mais motivos felizes do que tristes. E com isso serem mais felizes.

28.2.06

Havia viajado eu

Mas que crime viajar sem meu cadernim, meu caro! Foi só o primeiro respingo de inspiração escapar do mar e me embebedar com o cheiro do sal que eu notei que não levara meu Escudeiro em minha jornada à famigerada folia carnavalesca. Contudo, minha sogra permitira-me o uso de seu celular para que anotasse meus ditos e cujos. Mas muitos odores e pessoas se perderam na minha memória que é mais esquecida que.

Estou de volta, graças aos céus, às palavras: obrigado por me receberem de volta, minhas queridas, também tive saudades de vocês.. E à minha cidadezinhazona, com seu calor nosso de cada dia, muito mais suportável que o calor de lá. Talvez pela familiaridade.

24.2.06

A metalinguagem nossa de cada dia.

Incrível o que é acontece de verdade, mas parece que é de mentira. Ainda bem que o mundo é mais engraçado do que a ficção.

Does whatever a spider can

22.2.06

Blog me up, Scotty

Blog novo, ide!

É tarde, é tarde, é tarde!

Contos de três parágrafos.

20.2.06

As time goes by

Minha vida toda foi de procurar as minhas partes. Já quis ser outra pessoa, quando mais nova: tudo novo, calça nova, casa nova, pai novo, mãe nova, tudo novo. Mas a gente amadurece e encontra um bocado de pedras no meio do caminho. Tantas, que chega a ficar parecida com elas: polidas, inexoráveis, irredutíveis: e virei pedra.

Mas ninguém ama pedras, então não continuei pedra. Mas essa parte ficou. E voltei a ser mulher. Mas foi rápido: vi Casablanca; virei música.

you must remember this
a kiss is just a kiss
a sigh is just a sigh
the fundamental thing apply
as time goes by

E percebi o quanto tudo é sem sentido, e como a vida é péssima, acima de tudo. Fiquei muito triste, e não continuei música. Mas essa parte ficou.

Decidi voltar a ser mulher, porque agora sabia o valor das escolhas que a gente faz. Mas ainda não tinha descoberto que o destino estava aqui dentro, e que não se pode escolher quem a gente ama. E ainda havia duas partes dentro de mim, separadas, que a vida tentou me ensinar a juntar, mas eu nunca fui boa aluna. Então, teve que o Paulo esmiuçar pra mim.

la vie en close
c'est une autre chose
c'est lui
c'est moi
c'est ça
c'est la vie des choses
qui n'ont pas
un autre choix

E eu chorei e aprendi: a parte de verdade de mim é aquela parte que ama.

19.2.06

Control Room.

- Você está falando da percepção das pessoas, não está falando dos fatos.
- Fatos?! Deixe-me lhe dizer algo sobre fatos: não existem fatos, assim como não existem razões, nem justificativas!
- Mas, se você fala isso, então está dizendo que não existem fatos e que todos nós estamos condenados à uma vida de incertezas e dúvidas.
- Justamente, é isso que eu estou dizendo.
- Mas não é isso que acontece, porque, veja bem, há fatos, eu sei que está é minha mão, sei qual o seu nome, sei quem eu sou, então você está, infelizmente, errado.
- Mas entenda que esta é a sua mão porque você diz que ela é sua mão. A identidade dela como sua mão se baseia na sua fé de que ela seja a sua mão.
- Quer dizer a guerra no Iraque, Na Bosnia-Herzergovina, no Kosovo, na Somália, tudo não passou de fé: se alguém disser que não existiu, então eles nunca existiram?
- Bem, seres humanos tem memória curta. Se toda a documentação desparecer, quem serei eu para dizer que houve um conflito a muito tempo onde milhares de pessoas foram mortas por uma causa que nunca existiu?
- Mas então se há documentação, então há fatos que são documentados.
- Mas a documentação também é um ponto de vista.
- E o conflito em si, sem a documentação?
- O conflito existe, e pronto. Tudo o mais, todas as propagandas, todas as palavras escritas sobre ele, todo que for dito de qualquer guerra, de qualquer assunto é pura cosmovisão.
- Mas e a objetividade? Como colocar os preconceitos, o senso comum, as idéias mais simples que nós temos de algo de lado para alcançar a neutralidade num assunto?
- A neutralidade, acredito eu, seja um dom inalcançável, ao mesmo tempo que inócuo. Para quê ser neutro? Para que essa informação seja usada por alguém preconceituoso? E quem não é preconceituoso? Quem nasceu sem sangue? A neutralidade é uma ilusão do século XIX, ainda forte neste século. Infelizmente. Há coisas mais importantes do que a neutralidade. Mas aqueles que tentam sair deste estágio do senso comum, das percepçõs gastam muito mais energia quando poderiam estar aprendendo a cozinhar ou transando ou cheirando ou escrevendo.
- Eu não acredito nisso.
- Não era uma argumentação: não estava tentando convecê-lo: é o que eu acredito, é onde a minha fé está. Se a sua fé está nas fatos, que fique nos fatos, mas não perca a fé para perder os fatos.

16.2.06

"É preciso ter um caos dentro de si
para dar à luz uma estrela bailarina."

Friedrich Nietzsche

Ooow.

14.2.06

"toda criança que morre é um anjinho."

Na rua, uma vez
encontrei
uma silabazinha
vira-lata.
Amei, peguei, adotei:
trouxe pra dentro
de casa.

Lá em casa,
Ela latia, miava
E significava pra mim.
O meu amor
pela silabazinha
era grandão,
grande assim:
|___o___|

Mas, um dia,
porque Deus embriagou
e pro seu filhinho chorou
lá em casa encheu de água
e tudo que tinha alagou.

Hoje eu lembro
e dá saudade.
A silabazinha vira-lata
que eu demais amava
não aguentou
e morreu afogada.

"Isto será um símbolo para mim"

Só um rinoceronte poderia ser uma zebra.

Fellini. Não entendi. Não precisa: o filme é bonito demais.

Alguém sabe um jogo que a Morte ainda não tenha jogado? Talvez Naruto Adventure Heroes. Aposto como Ela deve se garantir na hora de confrontar os especial.

Todas as referências ao Ingmar Bergman neste post foram premeditadas.

12.2.06

I'm just a sweet transvestite from Transexual, Transylvania.

9.2.06

let's
do
the
time
warp
again
!

6.2.06

i am sam

- Isn't it true that very deep down inside... you know you need much more than your daddy can give you?

- All you need is love.

5.2.06

Eu já ia escrever algo triste; já estava tudo pronto, mas o que desiste a gente de não colocar uma lagriminha tão fácil nas palavras?

Eu ia escrever algo triste, juro que ia, mas como não dá, não vou colocar. Não dá porque o sentimento melancólico já foi embora. Foi como um passarinho que pousou no meu ombro e chispou-se pra lá-pra-lá.

Foi-se junto com meus diminutivos. E os adjetivos. As substantivas formas nominais.

É que todos eles sabiam: tudo mais é por demais impreciso.

2.2.06

Lembranças

A vovó Regina morreu.
O vovô Rocino - filho dela - também morreu.
A Blunsh, cadela daqui de casa - também morreu. E foi uma morte muito feia.

Nasceram a Marina, filha da Dedéia.
A Júlia, também filha da Dedéia.
Nasceu a Gabriela, filha do Daniel.

Nada disso aconteceu hoje. Faz alguns poucos anos que essas pessoas morreram. Os bebês nasceram quase juntos, nesses dois últimos anos.

É que eu estou doente, e quando fico doente eu penso mais. Não que eu esteja em estado de calamidade pública, apenas com o estômago frouxo, algumas cefaléias pequenas e cattarro, onipresente.

[]'s.

31.1.06

Amar é dar o que não se tem a quem não pediu.

29.1.06

Outra conversa séria com o caio.

- Então quer dizer que tu vais virar um eunuco agora?
- É, meu caro.
- Mas por quê?
- Porque o sexo é ruim. Pra mim, isto é. Me faz fazer coisas que depois fico me mordendo de ódio. O sexo me tira de mim mesmo.
- Sério? Vala me deus.
- Humrum. Tenho que parar de bater punheta, de puxar bronha - seja lá qual for o verbo - de baixar vídeos pornôs, de tudo relacionado a atos libidinosos. Nem mais piada indecente eu solto.
- Só pra mijar agora.
- Só pra mijar. É que sexo me faz mal, sabe. Qualquer atitude, qualquer decisão que eu tomo de pau duro dá errado. Vai ser na base da repressão mesmo. Me controlar, contar até dez.
- Deves pensar com a outra cabeça então.
- Humrum. Vou direcionar minha libido pra outro canto: vou ler, vou estudar, vou escrever, vou me preparar pro outro semestre mixuruca, vou amar mais.
- Epa!
- Que foi?
- E esse amor aí?
- Ah, meu caro, mas amar é transar são coisas diferentes. Vou me concentrar na minha amação pra parar de magoar e depois não ter palavras pra reparar quem eu amo.
- Me toooco. Porque a Orides Fontela falou que "toda palavra é crueldade."
- Justamente. E aquele professor de administração do MIT, o Jay W. Forrester disse que "em situações complicadas, esforços para melhorar as coisas entedem a piorá-las, freqüentemente a piorá-las muito, e ocasionalmente a torná-las uma calamidade."
- Putz. Podis crer então. Já é. Que Deus e o Bb estejam comigo.
- Ámem.

(E, sim, eu sei que deveria ter deixado um cheiro, ou te acordado e esperado mais tu, ou nem ter ido, ou qualquer outra coisa, e agora eu não posso me desculpar porque desculpa não ajeita nada. Eu, contudo, te ofereço atos, ações, cheiros, carinhos, amor e djows: é tudo que eu tenho. :*)

28.1.06

H(e)stória.

Essa história é daquelas que é de verdade, mas é de mentira. Pode escolher: verdade mentirosa ou mentira verdadeira.

Quando o asfalto parecia azul demais pela água que escorria, levantei a cabeça do livro, pois dizem que ler em movimento desloca as retinas. E eu acredito em dizeres curtos e simples. Levantei minhas retinas então. Levantei-as, mas a que preço, meu caro. Ergui meu olhar: meus olhos, sabe-se lá onde estavam, mas meu olhar encontrou algo que estupendo.

O banquinho devia passar, pelo menos, a metade do dia sob a luz causticante do sol. A água levava o lixo transeunte pelos riachos borbulhantes e cinzas da rua. Cinzas eram as águas: cinza era sua barba.

Era uma barba cinza e preta. E grande. Tocava o princípio do tronco. Caminhava ela para como na Grécia, quando a barba era sabedoria. Contudo, ali não. Ali não havia sabedoria coisíssima nenhuma: havia sim um sorvete de morango, uma colher prateada com cabo azul escuro e uma barba grande, preta e cinzenta.

E como aquela barba comia, meu caro, ah! Como comia! Comia, mas comia como em tempos remotos, quando comer era próximo da felicidade, não quando agora, que comer é martírio, é gordura, é algo que deve-se evitar. Deus.

Comia, engolia.

Sorvete não se mastiga, todo mundo sabe. Sorvete deixa-se engolir. Também sorvete não se bebe, embora certos indivíduos quebrem esta regra, mas ela não. Ele fazia tudo certo, certinho. Quase nem sujava a barba. Mais limpo do que o semicórrego fora de lugar. Quase um amor.

E quanta beleza em cada olhadela ao lado, de soslaio, de cabeça inteira. O pote cheio, os cabelos arrupiados, o rosto, que rosto? Escondido entre a barba, o sorvete e alguns poucos olhos, que, talvez fosse a água, seriam azuis se não fosse a tristeza do mundo, de torná-los negros como uma falta. Um branco ali não haveria, branco é conjunção, sincretismo: não: ali, havia, sobretudo, falta.

O pote, cheio. Os olhos, vazios.

Quem, então, comia a sobremesa? Quem saboreava? Eu? Meu olhar engolia o momento. Ainda me recuperava da levantada brusca de olhar – tanto tempo com a alma embotada – que onde estava pouco me importava. Procurava equilíbrio. Encontrei: meus cinco anos naquele mendigo vazio e o seu potinho de sorvete de morango da pardal.

23.1.06

Coisas

Em literatura, não há verdades definitivas
Moacyr Scliar

Não sei a citação de cor, mas foi o Foucault - "Fucô" - quem disse que a palavra é a morte da coisa. Não me lembro qual era a conexão entre os dois pensamentos, mas sei que havia uma.

Enfim, cu no pau há.

Há, lembrei. É que se a gente mata as coisas nomeando elas, quem tem coragem de ser coveiro para ficar exumando significados?

17.1.06

Máximas

Eles não são homens: são demônios.

Comadante mexicano contra os últimos três homens da Legião Francesa

O diabo não existe: por isso ele é tão forte.

Dito mineiro

15.1.06

Suor da Morte

Na família, ninguém queria o velho: jogavam pra irmã, num podia: sem dinheiro. O mais novo morava em república. Jogava pro mais velho: sem espaço. Apartamento um por andar. Que deus tenha piedade da alma de todos. O velho não reclamava, não que aceitasse ser tratado como peteca: tinha ódio no coração, mas perdera toda a força para falar já havia tantos anos. Todos se acostumaram com sua mudice. Nem perguntavam se seria sintoma.

Chegou, ficou: enfiaram no quarto da empregada, no meio das roupas sujas, de umas chinelas velhas: colocaram um colchão ali, uns lençóis, cobriram as roupas sujas com toalhas cinzas e velhas e deram o quarto para o velho. Deus do céu.

Na mesma hora, piorou. Ah, velho safado, sem vergonha! Justo agora, filho da puta! Não quero filho meu doente, que deus o livre, não! Pode entrar no carro!

Hospital, maca, pressão, luz nos olhos, dentro do nariz, coração, pulmões, exames, cheiro de remédio, luzes brancas, passos curtos, pesados. Silêncios pouquíssimos, tão poucos, nem se ouvia as árvores balançando lá fora: janelas fechadas. Nem se ouvia os bem-te-vis. Nem a luz do sol. Cortinas fechadas.

(...Ainda bem que a vida não é um teatro)

Dois dias de cama e a família indignada: cadê o dinheiro para manter o velho no hospital? Não tinha plano? Arriégua! Nem, deus me livre: tenho conta demais pra pagar!

O mais velho foi lá acertar com o doutor a conta. Médico nenhum: só a enfermeira, tirando a pressão.

- Como ele tá ?
- Tá bem...Tá bem.

Nenhum vento, nenhum pássaro.

- Ele tá suando tanto...Melhor da febre?
- Nada...Isso aqui é o suor da morte.

O filho não conseguiu falar, e, fazia tanto tempo, chorou na barriga do já, já falecido papai.

13.1.06

Chegam horas que a minha garganta fica ardendo de tanto cantarolar. Daí, bebo um copo com água. E cantarolo de novo.

Porque o meu silêncio é na entrelinha: ao redor de mim quero cantos.

12.1.06

Haloscan

Novo sistema de comentários instalado: Haloscan.
Tem que postar coisa nova para funcionar.
Agora quem não é cadastrado no blogger pode comentar também.

Essa mensagem se autodestruirá em cinco segundos...
...quatro segundos...
...três segundos...
...dois segundos...
...um segundo...
.
.
.
Ficou com medo, hein ?

9.1.06

Não, a vida não era bonita.
Clarice Lispector

Eu sou muito devagar para o mundo. Insisto em chamar de inocência; a maioria, lerdeza. Estou me convencendo.

3.1.06

Ghost Story

Se de repente eu desaparecer na metade de uma frase, não me surpreenderei demais; e no mínimo sairemos todos ganhando.
Julio Cortázar

O meu medo da morte é outro. Talvez fosse mais fácil fazendo análise, mas como não sou feito de dinheiro - sou de amor - elucubrações é o ponto limírofe que a minha mediocridade permite chegar.

Aliás, todos os fantasmas tem medo da morte: mas o nosso medo da morte é outro. É o medo do Quintana. Não é morrer, morrer não dói: o negócio é deixar de viver. E eu escrevo por causa disso, pra que possa viver pelas palavras, embora elas não sejam eu, nem nunca serão e é uma ilusão achar que viver por meio das palavras vai me servir de algo depois da morte. Quem me interessa o que acontece depois da miséria humana ?

Não morro de medo de ser esquecido: já senti isso, mas notei que, para tanto, seria preciso que um número razoável de pessoas se lembrasse de mim, mas eu sou aquele eterno "menino que é tão bonzim, né ?"

Tão bonzim é eufemismo dos piores pra fantasma existencial. Sou um ser de baixa densidade sêmica. Uma criatura sem essência significativa. Um dos pontos no sudário da humanidade. O que me resta além de ser uma mancha preta num mar de manchas pretas ? Tento me convecer de que a mediocridade e o esquecimento que nunca me foram dados são meus verdadeiros territórios, onde devo habitar, viver, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer. Mas tudo isso não passam de elucubrações do meu corpo.