31.3.06

Tentativa de mini-peça.

Três monólogos

(Entra um homem.)


Homem: Sou um marinheiro! E não navego pelo mar! Não fiquem assustados, meus caros: é de praxe nessas peças modernas - esta mesma, uma delas - estar permeada de paradoxos. Não navego pelo mar: nem pela vida: há muito perdi esta ao cruzar a esquina, ao atravessar a rua, ao bater a primeira tecla no teclado. Perdi minha vida para a vida: o mundo me fagocitou, eu, que nem corpo estranho era. Isso só prova minha teoria de que o mundo é um corpo que tem ódio de tudo e mais um pouco.

(Sai. Entra um marinheiro.)

Marinheiro: Não sou um marinheiro! Sou um poeta! Estou aqui, num teatro escuro, sem poder enxergar meus conterrâneos, sem poder realizar meu sonho. De querer ser quem eu realmente nunca fui, nem poderei nunca ser. Quero ser um marinheiro, como vocês, que navegam, como, como a criança que navega. Viver sempre me pareceu mais necessário do que velejar, por razão tão clara, estou aqui, prostrado, à frente de tantos olhares quanto possível; esmiuçado pela íris de um autor sádico. Não sou marinheiro, sou um covarde que necessita viver.

(Sai. Entra o autor da peça.)

Autor da peça: Boa-noite, meus caros poucos e parcos. Que bom vê-los e não vê-los. Que bom enxergá-los como a mosca, com meus mil olhos oniscientes. Vejo o medo, e os medos, de todos os olhares, vejo o casal que utiliza a verdadeira aptidão da escuridão, vejo o senhora antiga, esquecida pela família, vejo as paredes do teatro, vejo o intelectual criticando o que não entende, vejo a criança coçando a cabeça. E volto para mim, com o intento de lhes dizer o que é preciso. Todos deveríamos, meus caros, coçar a cabeça como a criança que vejo: coçar a cabeça é, antes de tudo, navegar.

Fim.

29.3.06

O Caroço da Lagartixa.

Eu quero o caroço da vida, pequenininho, menor do que um limão, menor do que o limão, menorzíssimo do que a própria fruta, verde, verda. O caroço não: o caroço é quase incolor querendo transparente, pra escapar da gente. Mas caroço que é caroço não escapa; caroço que é caroço não é inatingível, não está em cima de um Monte Sinai. Caroço que é caroço dá para pegar. Mas sabe como é carocinho, né? Tira do gomo da laranja, do limão e eles são muito, muito lisos, e tão pequenininhos que fica difícil de segurar; e caem, caem todos juntinhos e separados no cantinho escuro, entre o fogão e pia, debaixo da mesa, do lado de fora da janela, e olha aí, rapaz: está chovendo.

Eu pensava que para eu escrever tinha que trabalhar, e sentar, e pensar, e pesquisar e ir atrás das palavras. Mas comigo não dá e eu sei porque eu tentei. O que eu tento agora é outra coisa parecida, mas dessa vez as palavras me escolhem e eu não faço censura, a não ser aqui e acolá, quando der e vier. E o viés que esses meus textos tomam, esses meus textos noturnos com pontos finais em lugar de frases subordinadas, essas minhas sílabas que querem, quando pouco e muito e ruim, ser um Água Viva da vida, ficar atrás do pensamento, onde tudo é azul, onde tudo é mar e só olhar pra cima e ver o céu brilhando no horizonte aquático do universo, onde tudo o mais é por demais impreciso.

Olho, presto atenção em meus dedos, e percebo que nunca escrevi tão rápido, tão perto do caroço das coisas como quando de agora, dos meus anulares martelarem as teclinhas deste computador que já perdeu tantas musiquinhas em sua vidinha que me deixa muito, muito triste. Mas não estou me falando pra falar do meu computador; estou falando de mim para ver se eu encontro algo além de uma dor nas costas, algumas angústias insolúveis em água, e um pouco de mar que, eu sei, todo cearense tem.

Todo mundo tem água dentro de si; talvez por isso o Água Viva tenha me acordado tantas vermelhas, tantas palavras, tanta coisa que eu não sei o que é e não procuro saber porque é tarde demais quando se está amando as palavras; e é falta de educação - crianças, aprendam isso - sair da cama no meio do sexo. e também é importante que o outro parceiro sinta prazer na hora. E pode ser em qualquer lugar, e também pode utilizar o Halls preto: tudo pelo prazer e pelo regojizo, porque o meu tempo, como o da Clarice, é o agora. O negócio é que eu sou bem mais medroso e deixo meus esqueletos me persuadirem a ficar observando a perscrutação que realizo de minhas fantasias antigas, de meus pecados originais, de minhas gafes anedóticas, de tudo que já aconteceu, que é causa do que é hoje e que não importa mais porque está no passado e passado é aqui dentro, fora de mim, tentando entrar pela porta trancada que eu acabei de fechar com a chave e passar o ferrolhinho.

Talvez algum dia eu escreva um romance. É o meu desejo de agora. E tem uma lagartixa em cima da minha cômoda: nunca estive mais próximo da natureza.

26.3.06

Apanhado semi-mexido e retirado do orkut de depoimentos sobre o que alguém que se odeia vê quando olha no espelho.

Vejo algo sem utilidade,
desnecessária,
desperdício: poderia ter saído alguém mais útil do que eu.
Somos todos inúteis?

Me olho
E não vejo nada.

Vejo uma pessoa fraca e sem motivação,
vejo alguém que não é para esta existência
e por isso vive a procura de outras.
Vejo um caso perdido,
uma sombra das pessoas, algo que não era pra existir.
Vejo um ser imprestável,
um ser imprestável.

Não me enxergo no espelho.
Claro que se vê: só vampiros não têm reflexo.

Acho que fantasmas também não.

Vejo um zero à esquerda que nem deveria existir.
Vejo um nada.

Um patético apenas,
sem graça.

Vejo uma pessoa fadada ao fracasso.

Me olham, já me disseram,
um ser patético enxergam.

Eu
vejo
um ser inútil, sem nada para acrescentar para ninguém,
uma completa idiota,
burra,
etc.

Uma pessoa
completamente na solidão.

25.3.06

Como se, pelo meio do caminho, eu tivesse perdido o fio da meada. A minha meadinha era vermelhinha, azul, amarela, daí eu deixei cair e ficou tudo preto, e o chão era preto também. Não consegui mais achar. Foi nessa hora que eu perdi o fiozinho. E pra achar de novo tenha zé.

23.3.06

- Me estressei!
- Mantenha a compostura, menino!

22.3.06

Um post muito paia

Não sei se é de propósito, mas todo livro que eu leio, eu tento tirar alguma frase com uma lição de moral.

Foi assim com o Macbeth - essa citação aí embaixo - no outro post - é do one and only Chico Pires.
Foi assim com o Machado, na cadeira de conto.
Foi assim com a Sra. Lispector, também na cadeira de conto.
Lendo a Moreninha também.
Ouvindo Beatles.
Escutando meu antiquíssimo álbum William Shakespeare's Hamlet.
Lendo Rubem Alves. Principalmente lendo Rubem Alves.

É bem possível que toda a minha ética e toda a minha moral tenham vindo das croniquinhas do Sr. Alves. Dele, o do Maria Rilke, com as carténhas. Meus respaldos morais: quando alguém pergunta, mas porque tu acha isso? Porque eles disseram! replico.

Ah, e o Zaratustra também, muita, muita coisa do Zaratustra. E do Caeiro.

Sim, mas tá bom; esse post tá muito pretensioso, chei de nome de gente; nada meu, nada novo, sem literatura, arriégua. Diabo é isso?
A dor que não fala termina por sussurrar a um coração sobrecarregado, pedindo-lhe a explosão.

20.3.06

O caio que eu quero pra mim.

Eu queria uma poesia de terra,
com mar,
com carnaúba,
com céu de estrelas
e essa frescuragem toda.

Mas eu sou é outra coisa:
sou um caio de cidade,
um caio classe-média, um caio de Beatles,
que não sabe pra onde tá indo
nem o que quer.

E esse caio aqui,
que tá escrito em tantos versos
- poeta longo é um problema -
não consegue entender como é.

Esse caio de vocês,
não é o meu caio, meu povo.

O caio que eu quero é um caio de Fortaleza,
um caio verde,
menor do que um limão,
maior do que lagoa do Pici,
de onde escapou uma cobra que veio parar no portão daqui de casa, mas isso faz é tempo.

O caio que eu quero
tá lá longe,
na terceira margem,
onde eu não consigo pegar.

O caio que eu quero
é pequenininho assim,
que nem unha roída.

16.3.06

Decifra-me ou devoro-te!

12:00

Carro da auto-escola. Terceira tentativa deste de tirar a famigerada prova de que é bitolado o suficiente pra não pagar mais auto-escola. Primeiro carro a chegar no DETRAN, almoço gorduroso, com biscoito de chocolate sobre um toldo multicolorido e uma tia gente fina que me desejou boa-sorte.

13 e pouco

O instrutor fez o que tinha que fazer para testar o carro: freio, pra frente, pra trás, luzes, tudo bom com o esfregador de carvão nas nossas caras. Entramos no Local. Do lado de fora, é engraçado, ele parece um lugar bem menos assustador. Que bom, acho que dessa vez vou passar. Ah, a mente jovem! Ah, a esperança!

13 e 0,5 segundos depois de entrarmos

O outro aluno que viera comigo fizera o percurso, tirara a carteira, pegara a ressalva e chispou pra viver a vida dele. Quanto a mim, restou ficar esperando enquanto o outro candidato a doido da minha auto-escola não chegava.

Final das 13 horas

Chega a criatura. Espera mil anos, faz o teste antes de eu. Bufu, bomba. Só vejo ele andando para a luz, como se andasse para o portão azul escuro e carcomido pela ferrugem do DETRAN.

14:47

Depois de permancer a última uma hora e quarenta e sete minutos em posição fetal, com a bunda sendo horizontalizada pelo banco de pedra, vendo pessoas mortas de alegres por terem passado na primeira tentativa - fodam-se - dando pitacos nos que ainda lutavam contra a embreagem e o freio, a loira de dentro da cabine chama meu nome, pede minha identidade e me manda sentar na cadeira. Saio da cabine, sento, espero, endoido, falo com o sujeito do meu lado, ele tenta pela segunda vez. Me desespero. Peço a Deus por uma juíza mulher, peço que não me mande o bigodudo que fora meu julgador da primeira vez. Ele me manda um homem careca dos olhos verdes e rosto cansado. Brigado, Senhor.

14:50

Banco, espelhos, cinto, ponto morto, recobro a consciência, saio com o carro. Sinalizo. Beleza: garagem de frente, no começo! Obrigado, Senhor! Lembrei da sinaleira! Valeu, Senhor! O examinador é gentil! Brigado, Senhor!

14:51

Poste, freio, inércia filha de uma cadela sarnenta, BUFU!

.
.
.

O resto do dia


Me assoitando por ser estúpido o suficiente para não aproveitar a chancérrima que o cara me deu de evitar fazer a pior manobra já inventada pelo DETRAN logo no começo do exame.

15.3.06

O DETRAN é o Vale Da Sombra da Morte

Amanhã eu vou contar minhas presepadas pelo DETRAN. Dá até pra virar sitcom de tanta putaria já:

Caio: Embreagem, Freio.

E no comercial da Sessão da Tarde:

Venha acompanhar as aventuras iradas dessa galerinha da pesada que vão se meter em enrascadas do barulho!

14.3.06

Bang-bang.

Coisa boa não é tarefa do destino.

Ben Silver

13.3.06

Acabou de me ocorrer

Que se eu conseguir o emprego lá na Editora do Evolutivo, vou ficar revisando coisas a tarde inteira: das 11 às 17. E ainda não tirei minha carteira. E se não conseguir passar no famigerado exame quinta agora? Como ficará minha situação automobilística? Devo desistir da empreitada no mundo revisional? O que fazer?

12.3.06

Minha vida é de tentar olhar pelos meus olhos o que os outros olham pelos olhos deles.

8.3.06

7.3.06

A gente, assim.

A gente é quem a gente é.
A gente tem que ser quem a gente é.
A vida da gente é de tentar ser quem a gente é.
Então a gente não é quem a gente é.
A gente é quem a gente quer ser.
Mas a gente quer ser quem a gente é.

E de repente minhas personagens ganharam nomes e empregos. Bé isso?

6.3.06

Eu deveria dizer algo sobre o Oscar?

Assisti dois filmes dos que concorreram. O Jon Stewart foi engraçado. O Dustin Hoffman foi muito legal com o pessoal lá da frente. O Jack Nicholson foi o Jack Nicholson. Tudo vai bem em Hollywood. Agora é retornar ao passado e alugar "E o Vento Levou", "Casablanca" e qualquer um outro que queira ser assistido.

2.3.06

Ela tinha os olhos diferentes. Porque, sabe, hoje em dia, aqui em Fortaleza, todo mundo tem o olho igual, pretão, redondo, chato demais, sabe? Mas ela, ah, ela tinha os olhos diferentes. Os olhos e o olhar. Que o olhar, você sabe, é todo o rosto mais os olhos. Que os olhos são outra coisa, são penetras na face da gente, aposto como você não sabia, mas agora que eu te disse, você pode contar pras suas amiguinhas. E contar que eu finalmente encontrei alguém aqui com um olhar diferente, um olhar lá longe, além de si mesmo, um olhar a mais, um olhar pra dentro, dois olhos pra cima. Qualquer coisa pouco maior que o mar aqueles olhos diferentes procuram. Foi isso que eu encontrei: alguma coisa pouco maior que o mar. Pode dizer pra elas e pra mamãe. E também avisa que eu tô bem e que arranjei um emprego na Telemar.

Abraço,

1.3.06

Conversinha.

E ele chegou reclamando: não, mas que não pode, que não sei o quê e tudo o mais. E o outro perguntou, derradeiro e aforistíco:

- E o que é ser namorado?
- Ser namorado é cuidar dela, é lembrar o horário do remédio, é dar cheiro na bochecha, é pentear o cabelo, é mandar ela tomar banho, é pegar bolo, é assistir filme, é sair junto, é beijar lascivamente, é ter piadas internas que ninguém entende de tão esdrúxulas, é falar dexe xeito axim. E mais um bocado de coisas. É ter um estacionamento privativo no colo de cada um.

- Não, não. - disse ele: É um amigo a toda hora. É um beijo a toda hora para confortar. É esquecer os problemas

Ao que o amigo perguntou, do fundo da sua ignorância, sabendo que o outro havia avistado algo que ele não havia:

- ...Porque esquecer os problemas?

E o outro falou com a verdade mais verdadeira que já existiu na face da terra inteirinha:

- Para as pessoas terem mais motivos felizes do que tristes. E com isso serem mais felizes.