15.1.06

Suor da Morte

Na família, ninguém queria o velho: jogavam pra irmã, num podia: sem dinheiro. O mais novo morava em república. Jogava pro mais velho: sem espaço. Apartamento um por andar. Que deus tenha piedade da alma de todos. O velho não reclamava, não que aceitasse ser tratado como peteca: tinha ódio no coração, mas perdera toda a força para falar já havia tantos anos. Todos se acostumaram com sua mudice. Nem perguntavam se seria sintoma.

Chegou, ficou: enfiaram no quarto da empregada, no meio das roupas sujas, de umas chinelas velhas: colocaram um colchão ali, uns lençóis, cobriram as roupas sujas com toalhas cinzas e velhas e deram o quarto para o velho. Deus do céu.

Na mesma hora, piorou. Ah, velho safado, sem vergonha! Justo agora, filho da puta! Não quero filho meu doente, que deus o livre, não! Pode entrar no carro!

Hospital, maca, pressão, luz nos olhos, dentro do nariz, coração, pulmões, exames, cheiro de remédio, luzes brancas, passos curtos, pesados. Silêncios pouquíssimos, tão poucos, nem se ouvia as árvores balançando lá fora: janelas fechadas. Nem se ouvia os bem-te-vis. Nem a luz do sol. Cortinas fechadas.

(...Ainda bem que a vida não é um teatro)

Dois dias de cama e a família indignada: cadê o dinheiro para manter o velho no hospital? Não tinha plano? Arriégua! Nem, deus me livre: tenho conta demais pra pagar!

O mais velho foi lá acertar com o doutor a conta. Médico nenhum: só a enfermeira, tirando a pressão.

- Como ele tá ?
- Tá bem...Tá bem.

Nenhum vento, nenhum pássaro.

- Ele tá suando tanto...Melhor da febre?
- Nada...Isso aqui é o suor da morte.

O filho não conseguiu falar, e, fazia tanto tempo, chorou na barriga do já, já falecido papai.

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