31.1.07

Encontrou uma fotografia - amarelada, bordas tortas, retangular - no meio da calçada. Tinha algumas poucas com sua família: todos longe ou esquecidos; lembrou-se de que ainda estava sozinho, sem ajuda, e percebeu a obviedade da situação: não lhe pertencia aquela fotografia, imiscuíra-se no destino de outra pessoa. Abaixou-se, então, e depositou a foto no mesmo quadrante da calçada onde a havia encontrado. Levantou-se, estralou as costas, parou um pouco ... e seguiu um caminho, rezando para que desse, logo, com uma foto só dele.

28.1.07

Somente depois de fechar os olhos e respirar o mormaço do quarto escuro, percebeu os finos raios amarelos escorrendo pelas frestas da persiana; não deitou a cabeça outra vez no travesseiro; sentou-se com o lençol ainda cobrindo suas pernas, coçou um dos olhos e com o outro olhou para a mancha de suor na cama.

Era manhã, mas havia ido dormir somente às três da madrugada do mesmo dia. Não havia escovado os dentes ou tomado banho. Não tirara as calças. Os cabelos pregados nos lábios. Era manhã, mas ainda não queria se levantar.

Tenho um arquivo que chama "doodles", só de coisas jogadas, palavras perdidas e frases tentando formar um texto; tem uns que mexo pouco, tem outros que mexo muito. Tem uns também que eu não tenho paciência de mexer: posto logo.

Não, não sabia: soube agora que tu me disseste, mas antes, não, não; nem cogitei. E agora que tu me disseste parece. Não esperava de maneira nenhuma. Quanto tempo? Ah, sim; pois então, está certo: obrigada por ter avisado, viu? Ia já fazer uma besteirada. Era. Pois é. Então, ó, a gente se fala depois? Está certo. Tchau.

Oi? Ah, sim: também te amo. Outro.
- Sabe o que é foda? É que amanhã eu vou acordar e vai estar tudo do mesmo jeito.
- É, cara, tem muita merda que vem sem a gente querer.

21.1.07

estorieta

Ela morava numa casa de bonecas, casa pequena. Disse já, várias vezes, que deveria se mudar, mas ela havia apaixonado seus olhinhos negros e redondos: como iria expulsar as duas dali, só por estranheza? Deixe-lhes e fui tomar um café.

20.1.07


Que vaidosos cata-ventos somos nós! Eu, que resolvera libertar-me de todo trato social e que abençoava minha boa estrêla, que, afinal, me fizera descobrir um lugar onde êle era quase impossível, eu, fraca criatura, depois de ter mantido até a noitinha uma luta contra o abatimento e solidão, vi-me finalmente compelido a arriar bandeira.

18.1.07

Vira o rosto: não me deixas lembrar que são meus, aqueles olhos; perscrutam e dissecam: viajo para a beira, defronte da fenda; aquele vento que começa em lugar nenhum ensurdece meus ouvidos... sopra; saio do chão, e sob meus pés, dança a areia: braços abertos. Ninguém na linha do horizonte, nenhum sinal de resgate; o vento vem dos lados, abraça e enleva: oferece-se como um mar: nadamos. Não há uma gota d'água em quilômetros. Nenhum sinal de resgaste: vira o rosto mais outra vez: enfia o nariz no travesseiro, não me deixas. Lembrar.

14.1.07

A Legião Estrangeira

A Legião é envolta por uma aura quase mítica graças a eventos ocorridos no México, mais precisamente em 30 de Abril de 1863.

Uma pequena patrulha comandada pelo Capitão Danjou, formada por 62 soldados e 3 oficiais, foi atacada por 3 batalhões mexicanos, compostos por infantaria e cavalaria, forçando-os a se defender na Hacienda Camerone. Apesar de estarem em completa desvantagem, lutaram até o fim. Danjou foi mortalmente ferido durante a batalha, e seus últimos homens executaram um último ataque com suas baionetas.

Restando apenas três legionários, os soldados mexicanos ofereceram a eles uma oportunidade de rendição, que eles só aceitariam se pudessem voltar para sua base com sua bandeira e o corpo de Danjou.

Ao ver sua bravura, o comandante mexicano comentou: "Eles não são homens: são demônios". E concordou com as condições dos franceses.

***

Ele morava nos túmulos e ninguém podia prendê-lo, nem sequer com uma corrente. Pois fora muitas vezes preso com peias e correntes, mas rompera as correntes e arrebentara as peias; ninguém tinha força para subjugá-lo. Noite e dia, ele andava incessantemente pelos túmulos e montanhas, soltando gritos e dilacerando-se com pedras. Ao ver Jesus ao longe, ele correu e prostrou-se diante dele. Com voz forte, ele clama: "Que tens a ver comigo, Jesus, Filho do Altíssimo? Conjuro-te por Deus, não me atormentes". Pois Jesus lhe dizia: "Sai deste homem, espírito impuro!" Ele o interrogava: "Qual é o teu nome?" Ele lhe respondeu: "Meu nome é Legião, pois somos numerosos". E ele lhe suplicava com insistência que não o expulsasse da região.

***

Se me perguntassem sobre Ofélia e seus pais, teria respondido com o decoro da honestidade: mal os conheci. Diante do mesmo júri ao qual responderia: mal me conheço - e para cada cara de jurado diria com o mesmo límpido olhar de quem se hipnotiza para a obediência: mal vos conheço.

13.1.07

Vermelhismo: mais ainda.

- Você me acha bonita.
- Desde quê.
- Não foi uma pergunta.
- Não respondi.
- E o desde quê?
- Depende.
- Depende de quê?
- Quer que responda?
- Já perguntei.
- Depende de você.
- Que tenho de fazer?
- Abrir com as mãos, caminhos... nos meus cabelos.

10.1.07

Na verdade, todos os versos são uma desculpa pra chegar no último, que não é meu.

A mulher subiu a saia vermelha,
pegou a bolsa vermelha;
a calcinha vermelha;
as luvas vermelhas
e o batom vermelho.

Não me disse até mais,
nem obrigado,
nem volte sempre,
nem vai te fuder, seu pervertido suburbano:

ficou perdida pelas esquinas luminosas,
pelos carros importados.
Ou usados.

Fiquei no chão,
com o braço direito dormente,
a coxa direita com câibra;
fedendo a sexo,
olhando o quarto minguante pela janela semicerrada:

perdido entre o orgasmo e o sono;
entre meus reais ausentes
e o pagamento do motel;
enfim:
entreanoitequevaieodiaquevem.

8.1.07

Meu lado nérdico.


Depois de aeons acompanhando Megatokyo, finalmente parece que o relacionamento da Nanasawa com o Piro vai engrenar. Para quem não conhece a webcomic, uma previazinha logo aí em cima.

6.1.07

Nunca mais, pense. Só conversando, só conversando, isso e aquilo, nada demais, nada demais, sabe? Quatro besteiras e a gente nem se toca, nem percebe e a língua dela abrindo caminhos na minha nuca; os dentes procurando tesão no meu pescoço, com força, mordendo cada nervo, sem atenção, sem covardia, sem vergonha, sem controle, tudo à noite, de noite, fora da batida da música, seguindo o baixo do funk que começou a tocar, um beijo, outro, pelo lóbulo da orelha, ela tem cócegas no ouvido, não me lembro e assopro. Ela ri, eu rio e dançamos de novo e novamente outra vez.

Aqui dentro tem cachorro bravo

Cuidado: Cachorro Bravo.

Leu de novo: Cuidado. Cachorro. Bravo. Bravo. Cachorro. Cuidado.

Intrigou-se. Não havia cachorro bravo com o qual deveria tomar cuidado. Nem no quintal, ou dentro da casa, ou aos pés de alguém se balançando na cadeira de balançar, para lá e para cá. Nada. Só o aviso. Cuidado, meu caro, que aqui dentro tem um cachorro muito bravo! Olhou de novo. Zero, só o cuidado cachorro bravo. Mas não tinha cachorro, e nem ele era bravo. Talvez nem aviso tivesse, no final das contas.

Então piscou os olhos, coçou a nuca, e quando despiscou e descoçou, tinha quatro patas, um belo pêlo marrom, caninos afiados e era bem bravo.

4.1.07

- Tá lá, mãe. O pc. Vai usar?
- Vou nada, Lara: vou dormir.
- Mas por que? A senhora num queria o pc?
- Quero mais não. Tô com sono.
- Mas por que?
- Porque ora, não quero mais.
- Mas eu já fechei as coisas lá, pra senhora usar.
- Mas se eu fosse usar, não era pra ter fechado.
- Eu fechei a net, mãe.
- Eu ia usar justamente a net.
- Era só logar de novo, grande merda.
- Não quero mais o computador: pode usar.
- Mas por que?
O pai se intromete:
- Porque ela não quer mais, Lara, ora! E feche essa luz!
- A senhora tem certeza?
- Tenho. Feche a luz.
- Tá bom. Não diga que eu não colaborei depois.

E a menina Lara retornou ao seu papinho madrugal pela net relogada.

The End.

1.1.07

Primeiro post do ano


Este é o primeiro post do ano; aqui, você não encontrará resoluções de ano-novo, nem instruções sobre como viver a sua vida em dois mil e sete: aqui, você encontrará o primeiro post do ano. E todas as outras coisas que você quiser encontrar aqui, além do primeiro post do ano.

Mas isso não importa. Não importa que aqui você encontrará o primeiro post do ano, e todas as outras que você quiser encontrar, além do primeiro post do ano; não importa se você não se encontrar aqui, ou em outro lugar; também não importa se você não encontrar aqui o primeiro post do ano: o que importa é que você tem que se decidir, you've got to let me know, should I stay or should I go?