29.3.06

O Caroço da Lagartixa.

Eu quero o caroço da vida, pequenininho, menor do que um limão, menor do que o limão, menorzíssimo do que a própria fruta, verde, verda. O caroço não: o caroço é quase incolor querendo transparente, pra escapar da gente. Mas caroço que é caroço não escapa; caroço que é caroço não é inatingível, não está em cima de um Monte Sinai. Caroço que é caroço dá para pegar. Mas sabe como é carocinho, né? Tira do gomo da laranja, do limão e eles são muito, muito lisos, e tão pequenininhos que fica difícil de segurar; e caem, caem todos juntinhos e separados no cantinho escuro, entre o fogão e pia, debaixo da mesa, do lado de fora da janela, e olha aí, rapaz: está chovendo.

Eu pensava que para eu escrever tinha que trabalhar, e sentar, e pensar, e pesquisar e ir atrás das palavras. Mas comigo não dá e eu sei porque eu tentei. O que eu tento agora é outra coisa parecida, mas dessa vez as palavras me escolhem e eu não faço censura, a não ser aqui e acolá, quando der e vier. E o viés que esses meus textos tomam, esses meus textos noturnos com pontos finais em lugar de frases subordinadas, essas minhas sílabas que querem, quando pouco e muito e ruim, ser um Água Viva da vida, ficar atrás do pensamento, onde tudo é azul, onde tudo é mar e só olhar pra cima e ver o céu brilhando no horizonte aquático do universo, onde tudo o mais é por demais impreciso.

Olho, presto atenção em meus dedos, e percebo que nunca escrevi tão rápido, tão perto do caroço das coisas como quando de agora, dos meus anulares martelarem as teclinhas deste computador que já perdeu tantas musiquinhas em sua vidinha que me deixa muito, muito triste. Mas não estou me falando pra falar do meu computador; estou falando de mim para ver se eu encontro algo além de uma dor nas costas, algumas angústias insolúveis em água, e um pouco de mar que, eu sei, todo cearense tem.

Todo mundo tem água dentro de si; talvez por isso o Água Viva tenha me acordado tantas vermelhas, tantas palavras, tanta coisa que eu não sei o que é e não procuro saber porque é tarde demais quando se está amando as palavras; e é falta de educação - crianças, aprendam isso - sair da cama no meio do sexo. e também é importante que o outro parceiro sinta prazer na hora. E pode ser em qualquer lugar, e também pode utilizar o Halls preto: tudo pelo prazer e pelo regojizo, porque o meu tempo, como o da Clarice, é o agora. O negócio é que eu sou bem mais medroso e deixo meus esqueletos me persuadirem a ficar observando a perscrutação que realizo de minhas fantasias antigas, de meus pecados originais, de minhas gafes anedóticas, de tudo que já aconteceu, que é causa do que é hoje e que não importa mais porque está no passado e passado é aqui dentro, fora de mim, tentando entrar pela porta trancada que eu acabei de fechar com a chave e passar o ferrolhinho.

Talvez algum dia eu escreva um romance. É o meu desejo de agora. E tem uma lagartixa em cima da minha cômoda: nunca estive mais próximo da natureza.

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