14.5.06

I

Mas o que é que eu sei de puta pra contar uma estória inteira sobre uma? Nem sei mais se a Rita continua dando, se o Roberto é vivo, viúvo, se parou de beber, se foi preso, denunciado. Sei lá. Eu entendo de Beatles, de nomes de autores, dessas coisas sem importância, que não servem pra mudar o mundo.

Saiu correndo: que nada na sala era dela.

É como xadrez, olhares tornam-se peões; os reis são o seu orgulho; as rainhas são as músicas e o os mitos que guiam. E nossos atalhos:

- Atalho é falácia.

Mas não vou discutir a existência de atalhos. Aqui não. Aqui, ela fugiu.

Deixou a porta quase aberta, e atravessou o corredor verde amarronzado. Não cito a luz vermelha por medo de cegá-lo ou pra ficar mais difícil de misturar o verde com o marrom e depois com o vermelho. Pode imaginar só com o verde amarronzado, ou verde-marrom, como era de primeiro. Eu não me importo. Me importo com o fato dela ter saído correndo, feito louca.

Ela saiu, e eu pude ver a lâmpada redonda quase caindo do teto. Ela continua a ir mais longe daqui, mas ainda quero falar da luz:

Era bem solta. Piscava. Inter. Mitente. Mente. Todo dia, toda hora, toda entrega, toda saída, toda porta semicerrada. Todo mundo tinha medo de chegar de madrugada para aquela luz piscando e cegando e piscando junto com o olho da gente como se lâmpada também lacrimejasse. A esclerosada do andar de cima jurou que, uma madrugada dessas, viu uma gota avermelhada no chão do corredor.

Da mulher: ela, que agora já está bem longe do corredor e da porta entreaberta; que está entrando no carro com alarme eletrônico e constatando que não havia gasolina pra chegar em casa.

Não vou contar o motivo de tanta correria: esta estória de mentira não se faz de porquês. Os porquês estão atrasados e o pensamento não pára pra eu ficar catalogando tudo que já aconteceu. Se for fazer flashback, quando chegar na parte boa, tudo já terá acabado e os dois que estavam na sala com a porta que agora já fechei, já terão se ido fazer sexo-pra-fazer-as-pazes.

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