24.6.05

Décimo Sexto.

Convergência ou Ínfimo momento

Desço do ônibus. Despeço-me de um amigo. Atravesso o cruzamento. Inicio a caminhada até minha casa. Este trajeto simples traço todos os dias de segunda à sexta. Hoje, porém, ocorreu algo diferente.

Começo a caminhar. O barulho dos meus sapatos mistura-se ao barulho dos carros. Paro alguns instantes para me certificar se são realmente meus sapatos os culpados pelo ruído. Esta parada foi meu portal, minha entrada para um outro mundo. Observo. O barulho cessa e inicio minha peregrinação. O silêncio dos carros, das árvores, dos pássaros, do lago assusta-me, assim como sua figura. Irrisória, a princípio, aquela imagem de pernas torneadas, quadris convexos, bem feitos, cintura fina e cabelos curtos nada significa para mim. Ando e olho-a. Acompanha meus passos. Quero acelerar, mas não posso: estou preso nesse momento. Aquela pessoa cabisbaixa, garota de pernas torneadas e andar requebrado me fascina. Não consigo retirar meus olhos de seu andar. Estou preso, submisso.

Suas roupas, trapos: uma calça mínima – assemelha-se à uma roupa íntima – e um top, preto e branco, listrado.

Noto sua vestimenta, mas ainda não vi seu rosto. Analiso-lhe de alto a baixo. Seus pormenores estavam em meu cérebro, mas quero presenciar seu rosto.

Desespero-me: o caminho inicia a se findar. Fugiria daquele mundo sem saber quem fora a triste anfitriã que me recebera. Tanto tempo se passara, tantos passos e nenhum olhar. Somente aquele andar requebrado e as roupas que quase vestia. O tempo conspira com aquela figura: nenhum dos dois quer minha saída desse momento. O tempo quer-me preso; ela quer-me sedento.

Olho para outro lado e vejo crianças correndo, um senhor recebendo uma encomenda e noto que escapei. Estou livre, mas sinto-me acorrentado. A agonia continua; a curiosidade também. Não quero chegar em casa. Não quero sair daquele local, daquele momento. Quero manter-me ali até o final da eternidade, quando o próprio tempo virá me receber, arrancando-me aquele penúltimo suspiro – o último prometerei àquela que perscruto. Não sou merecedor deste momento. Nem de mim mesmo. Sou vulgar, ela é plácida; sou sedento, ela, satisfeita; sou humano, ela, transcendente. Sou singular. Ela é plural.

Paro em frente minha casa e toco a campainha. Alguém me diz para esperar um pouco. Volvo meu olhar a ela, que agora me deixará como me encontrou: plácida, de andar requebrado e cabeça baixa. Tudo está perdido. Viverei para sempre com esta terrível dúvida. Esta agonia me consumirá e não restará nada além de uma pergunta e uma esperança. O olhar seria minha redenção... Mas ela não olha ! Não me responde ! Não consigo falar. Sinto a vida esvair-me a cada suspiro. Os meus lábios ressecados não formam sílabas, apenas indagações caladas. Fecho os olhos. Uma lágrima escapa de meu olho.

Limpo os óculos. A visão embaçada mostra-me seu vulto. Retorno a visão clara e percebo que me olha. Um olhar pequeno, de sobrancelhas arqueadas. Noto tristeza. Ela percebe-me. Não sofreu minhas agonias. Não sofri as dela. Mas ambos sabíamos que, naquele momento, nossa viagem havia se findado. Os destinos, ligados por um laço de efemeridade, foram lançados às mãos trêmulas e caprichosas da eternidade.

CMR.

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