27.6.05

Vigésimo Primeiro - Das Feridas.

Feridas são fantasmas com sangue coagulado em cima. Negras, parecem que tem casca, mas são mais frágeis que um galho contra uma serra elétrica.
Pegue um saco de merda. Agora esprema. Agora coloque na boca e faça bolhas de bosta com a merda. Pois é. Lamba os dentes. Bocheche. Eu odeio me sentir desse jeito. Puta que pariu. Tem algo de masoquista em mim que eu simplesmente não gosto e não consigo jogar fora.
Tem certos momentos na vida de gente que são marcantes. Alguns desses momentos a gente traz na bagagem com a gente, outros ficam só na memória. Todos vem junto com a gente, e aí que começa o problema. Esses momentos são marcantes demais para serem esquecidos. A gente não esquece nem que a vaca pegue tuberculose e morra engasgada no próprio pigarro.
Mas tem aqueles que a gente QUER esquecer, caralho.
Todas as nossas feridas são abertas. Elas não se fecham, a gente que esquece de cutucar. Quando se lembra e - aqui entra o masoquismo meu - vai lá mexer na danada, a dor era maior daquela que a gente se lembrava.
Bem maior, meu caro. Pegue uma faca, esquente no fogão e peça para alguém lascar na sua ferida.
E esse masoquismo é tão grande que a gente insiste, década após década - cada vez mais sábio - em meter a porra do dedo no caralho da ferida aberta.
É horrível, meu caro. Lastimante o quão impotente a gente se esconde - tenta se esconder - das nossas feridas, enquanto elas continuam lá. Não tem nem band-aid pra colocar em cima.
"No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida !
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno ?"
Lá dos Lusíadas. Tem coisas que só a poesia consegue dizer.

Nenhum comentário: